Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.
Essa semana circulou nas redes sociais a seguinte mensagem:
O colesterol é oficialmente removido da Lista Negra.
O governo dos EUA finalmente aceitou que o colesterol não é mais um nutriente preocupante, numa mudança radical em seus avisos para se evitar alimentos ricos em colesterol desde a década de 1970 (para se prevenir de doenças cardíacas e artérias obstruídas).
Isto significa que os ovos, a manteiga, os produtos lácteos integrais, as nozes, o óleo de coco e a carne foram agora classificados como “seguros” e foram oficialmente removidos dos nutrientes da “lista de preocupação”.
O Departamento de Agricultura dos EUA, que é responsável pela atualização das diretrizes a cada cinco anos, declarou em suas conclusões para 2015:
“Anteriormente, as Diretrizes Alimentares para os americanos recomendavam que a ingestão de colesterol fosse limitada a não mais de 300 mg / dia. A DGAC de 2017 não apresentará esta recomendação porque as evidências disponíveis não mostram uma relação apreciável entre o consumo de colesterol dietético e o colesterol sérico (no sangue), consistente com o AHA / ACC (American Heart Association / American College of Cardiology)”.
O Comitê Consultivo das Diretrizes Dietéticas, em resposta, não mais advertirá as pessoas contra o consumo de alimentos ricos em Colesterol e, em vez disso, se concentrará “NO AÇÚCAR” como a principal substância preocupante na dieta.
O cardiologista norte-americano Dr. Steven Nissen disse:
“É a decisão certa. Temos as orientações dietéticas erradas. Eles estão errados há décadas. Quando comemos mais alimentos ricos neste composto, nosso organismo acaba compensando e produzindo menos. Se nos privamos de alimentos ricos em colesterol – como ovos, manteiga e fígado – o nosso corpo faz um ‘revs up’.
A maior parte do colesterol circulante é produzido pelo fígado. Seu cérebro e até seus hormônios são compostos principalmente de colesterol. É essencial que as células nervosas funcionem. O colesterol é a base para a criação de todos os hormônios esteroides, incluindo estrogênio, testosterona e corticosteroides. Colesterol elevado no corpo é uma indicação clara de que o fígado do indivíduo está saudável”.
Dr. George V. Mann M.D. diretor associado do estudo de Framingham para a incidência e prevalência de doenças cardiovasculares (CVD) e seus fatores de risco, afirma: gorduras saturadas e colesterol na dieta não são a causa da doença cardíaca coronária. “Esse mito é o maior engano do século”.
____________________________
A reportagem, publicada pelo tabloide inglês Telegraph, data de 13 de junho de 2016, e faz referência a uma revisão sistemática sobre o colesterol-LDL e o risco de morte em idosos. No estudo, os autores incluíram 19 estudos com 68 mil participantes. Em 14 destes, houve associação inversa entre LDL e risco de morte, isto é, um LDL maior esteve associado com menor risco de morte! Esse dado é inédito e vai contra todos os estudos prévios na área. Mas será que ele deve mudar sua conduta? Essa é a pergunta chave!
Uma revisão sistemática de estudos observacionais está sujeita a alguns erros estatísticos – o viés – que pode nos levar a conclusões precipitadas:
- Um estudo observacional fala em associação – e não efeito causal. Será que o paciente com LDL muito baixo (<50) não apresentava doença grave – câncer ou hepatopatia – e por isso morreu mais?
- A própria revisão sistemática apresenta limitações: a busca foi em apenas uma base de dados (PubMed), não houve avaliação adequada da qualidade/heterogeneidade entre estudos e, o principal, não foi controlado o uso de estatina e o valor do HDL. É sabido de estudos que usar o colesterol não-HDL é o método ideal de estimar o risco cardiovascular, tanto que a calculadora ASCVD, da AHA/ACC, e o escore de risco global de Framingham pedem a você o valor do colesterol total e HDL – e não o LDL!!! Além disso, os pacientes mais graves poderiam estar usando estatina, apresentando LDL menor, e por isso, morreram mais, mesmo com os benefícios do hipolipemiante.
Falar em dieta para colesterol também não é apropriado com base nesse estudo, que nada avaliou quanto à alimentação. Sabe-se que a dieta tem grande efeito na redução do triglicerídeo, mas pouco (10 a 20% apenas) nos níveis de colesterol. Além disso, uma boa alimentação tem benefícios que vão além de mera redução dos lipídeos e isso foi comprovado no estudo que mostrou que uma dieta de padrão Mediterrâneo é capaz de reduzir a mortalidade cardiovascular no longo prazo.
Outro aspecto fundamental é que o uso de estatinas deve ser encarado como um tratamento anti-aterosclerose, e não um mero hipolipemiante. Suas ações anti-inflamatórias e estabilizadoras do endotélio diferenciam essa classe das demais drogas de redução do colesterol. Na prevenção primária, estudos como WOSCOPS, ASCOT-LLA e JUPITER mostram que o uso de estatina reduz o risco de eventos cardiovasculares (morte, IAM ou AVC) no médio e longo prazo. Por isso, use seu WB, calcule o risco cardiovascular pelo escore de Framingham, e inicie estatina conforme o resultado!
Você é médico e tem interesse em ser colunista da PEBMED? Clique aqui e inscreva-se!
Referências:
NA MINHA OPINIÃO, ESTÃO CULPANDO O VILÃO ERRADO. O GRANDE VILÃO É O AÇÚCAR, EM SUAS DIVERSAS FORMAS (REFINADO, EXCESSO DE CARBOIDRATOS, ETC). NÃO DIGO ISSO COM BASE APENAS EM BUSCAS NO PUBMED. MAS, ENQUANTO AS ASSOCIAÇÕES MÉDICAS NÃO SE MANIFESTAREM DE MODO DEFINITIVO (CREIO QUE ISSO SE DARÁ), SIGAMOS AS DIRETRIZES. EU RECOMENDO REDUÇÃO DRÁSTICA NO CONSUMO DE CARBOIDRATOS, EVITAR AÇÚCAR, BOLOS, DOCES, REFRIGERANTES, CONSUMIR GORDURAS “BOAS”, A PRÁTICA DE ATIVIDADES FÍSICAS MODERADAS/INTENSAS (CINCO VEZES POR SEMANA, APÓS AVALIAÇÃO MÉDICA CRITERIOSA E SOB ORIENTAÇÃO DE UM EDUCADOR FÍSICO CAPACITADO), ETC. TENHO OBSERVADO REDUÇÃO DO LDL E AUMENTO DO HDL EM PRATICAMENTE TODOS OS PACIENTES.
Olá, Ubiratan! Sou Ana Carolina, médica e colunista da PEBMED. Muito obrigada por compartilhar conosco sua experiência. É essa troca que enriquece nosso portal, que é desenvolvido com o intuito de atualizar os colegas, sempre abrindo espaço para os debates saudáveis. Continue acompanhando e participando conosco!
Estou extremamente feliz de poder ler e aprender com o Dr Ronaldo. Nivaldo Montoro
Olá! Sou Ana Carolina, médica e colunista da PEBMED. Todos nós aprendemos muito com o Dr Ronaldo! Continue acompanhando nosso portal, pois virão mais textos com a qualidade e a didática desse excelente profissional!
Muito bom comentário chamando atenção para o vies de apreciação do pubmef
Boa Noite, satisfação de participar desse estudo tão intrigante e importante.
Sempre achei bastante peculiar essa discussão sobre o colesterol, seus possíveis efeitos e também sobre a polêmica envolvendo as estatinas. Logicamente que podemos expandir esse raciocínio para diversos outros pontos da Medicina, o que a torna ainda mais especial e fascinante.
Acredito que as gorduras não sejam as vilãs da história e muitos colegas já foram motivo de risadas por causa dessa opinião. Contudo, em tempos de informação compartilhada as verdades aparecem.
Sugiro aos colegas a leitura de uma reportagem onde se fala do conflito de interesses nos primórdios da criminalização das gorduras. Muito interessante é a entrevista dada pelo medico Lair Ribeiro que há muito tempo alerta sobre tal equivoco, trazendo uma discussão de altíssimo nível onde inclusive mostra seu conhecimento profundo sobre o tema.
Saudações a todos !
https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/industria-pagou-cientistas-para-minimizar-risco-do-acucar-saude-diz-estudo-20100488
https://youtu.be/2tPDLwJ5HNM