Como cuidar da pressão arterial no AVC? O papel do não-neurologista

Atualmente, os guidelines sobre AVC enfatizam o manejo médico nas primeiras 24-48 horas, mas pouco se fala sobre o tratamento no restante da hospitalização.

Atualmente, os guidelines sobre acidente vascular cerebral isquêmico enfatizam o manejo médico nas primeiras 24-48 horas, mas pouco se fala sobre o tratamento no restante da hospitalização. A revista US Neurology montou um artigo de revisão para discutir o controle da temperatura, pressão arterial e glicêmico nesses casos. Vamos abordar cada um desses pontos aqui no Portal da PEBMED, começando pelos cuidados com a pressão arterial.

No manejo da pressão arterial em pacientes com AVC isquêmico subagudo, dois conceitos opostos causam controvérsia entre os médicos:

1) A hipertensão aguda tem sido associada a resultados ruins
2) A redução rápida da pressão arterial pode limitar a recuperação da penumbra tecidual

As diretrizes atuais da American Heart Association/American Stroke Association (AHA/ASA) recomendam o tratamento da pressão arterial acima de 220mmHg sistólica e/ou 120mmHg diastólica. No entanto, não há consenso no manejo de elevações mais modestas (150 – 180 sistólica), que acontecem muito no período após as 48 horas pós-AVC. Alguns ensaios randomizados merecem destaque nessa análise:

– O estudo CATIS incluiu 4.071 pacientes com AVC isquêmico e PA sistólica inicial entre 140 e 220 mmHg. O grupo de tratamento recebeu terapia anti-hipertensiva para reduzir a PA sistólica em 10% a 25% nas primeiras 24 horas, seguida por uma PA alvo < 140/90, que foi alcançada no dia cinco. Os indivíduos de controle não receberam anti-hipertensivos durante a hospitalização, com uma duração média de permanência de 13 dias. Os desfechos analisados foram morte ou incapacidade grave, tanto em 14 dias (ou alta hospitalar) como em 3 meses. Os resultados não indicaram diferenças significativas entre os grupos, com exceção dos pacientes que iniciaram a terapia anti-hipertensiva após as 24 horas do início dos sintomas, que demonstraram melhora do resultado funcional aos 3 meses. Isso fornece evidências clínicas para apoiar a hipertensão permissiva para as primeiras 24 horas após o infarto.

Veja também: ‘Manejo da depressão pós-AVC: o que você precisa saber sobre as últimas evidências’

– O ensaio ENOS incluiu 4.011 pacientes com maior carga sintomática do que o CATIS. Nesse estudo multi-nacional, de grupos paralelos, pacientes foram randomizados para receber trinitrato de glicerol transdérmico ou não, e os pacientes que já tomavam anti-hipertensivos (em tratamento ou controle) foram ainda randomizados para continuar ou parar seus medicamentos prescritos. Não foi encontrada diferença entre os grupos no desfecho funcional avaliado aos 90 dias. Também aos 90 dias, os indivíduos randomizados para continuar com anti-hipertensivos apresentaram maiores taxas de incapacidade (Índice de Barthel < 60) (p = 0,031) e pior resultado cognitivo. Dois possíveis mecanismos indicados pelos autores foram: maior taxa de pneumonia no grupo que continuou a medicação e apenas 65% dos pacientes designados para continuar com anti-hipertensivos de fato seguiram a orientação. Os autores concluíram que é razoável suspender anti-hipertensivos no cenário de AVC agudo até que os pacientes estejam neurologicamente estáveis e tenham acesso oral/enteral apropriado.

E mais: ‘Podemos trombolisar mais AVCs?’

– O estudo SCAST atribuiu 2.029 doentes a candesartan ou placebo durante 7 dias após AVC isquêmico ou hemorrágico. Os resultados demonstraram que o uso do medicamento nos dias após o incidente tem pouco efeito significativo sobre a recorrência de AVC, infarto do miocárdio, morte vascular ou desfecho funcional aos 6 meses. Estes achados refutam os de um estudo mais recente, patrocinado pela indústria, chamado ACCESS, que incluiu 342 pacientes randomizados para terapia com candesartan ou placebo durante 7 dias pós-AVC. Não houve diferença significativa na PA entre os grupos de tratamento durante o período de monitoramento de 7 dias, nem aos 12 meses de follow-up. Os resultados mostraram quase o dobro da taxa de eventos vasculares no placebo (18,7%) em comparação com o candesartan (9,8%) aos 12 meses (p = 0,026).

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A US Neurology destaca uma consideração importante, que não é explicada nesses grandes ensaios clínicos: o cuidado individual do doente que apresenta piora dos sintomas neurológicos com redução da pressão sanguínea devido a uma estenose limitante do fluxo de um vaso grande. Estes pacientes necessitam de observação próxima com monitorização contínua da PA invasiva e normalmente requerem um alvo de PA mais elevado até que a lesão seja manejada.

Os achados dos estudos analisados são aplicáveis, principalmente, aos pacientes com AVC isquêmico leve a moderado, que não recebem trombolíticos e se apresentam sem urgência hipertensiva. Não há nenhuma vantagem clara para candesartan que deve justificar a seleção específica deste medicamento para a gestão da PA em AVC agudo.

Você sabe? ‘Quando, afinal, é seguro começar anticoagulantes logo após um AVC isquêmico?’

Como a literatura atual não mostra um benefício claro e um dano potencial do tratamento da hipertensão no período agudo e subagudo, é importante que o médico leve em consideração o estado clínico e neurológico do paciente antes de atingir a normotensão. Além disso, é razoável suspender medicamentos anti-hipertensivos ambulatoriais, exceto betabloqueadores, que devem ser reduzidos em 50% para prevenir a retirada de taquicardia, durante o período agudo após um AVC isquêmico.

Referências:

  • Acute and Subacute Ischemic Stroke – A Review of Temperature, Blood Pressure and Glycemic Management. Shannon Hextrum, Barak Bar. US Neurology, 2016;12(2):105–9 DOI: https://doi.org/10.17925/USN.2016.12.02.105

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