Disfunções tireoidianas: epidemiologia, causas e fatores de risco

Discutiremos aqui a epidemiologia do hipertireoidismo e do hipotireoidismo, e as diferenças geográficas e os fatores envolvidos na gênese das disfunções.

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Os hormônios tireoidianos atuam em quase todas as células nucleadas e são essenciais para o crescimento, desenvolvimento neuronal, reprodução e regulação do metabolismo energético. Disfunções tireoidianas são comuns, com consequências potencialmente devastadoras para a saúde.

Discutiremos aqui os principais pontos de um artigo recém-publicado no Nature Reviews, que resume a epidemiologia atual do hipertireoidismo e do hipotireoidismo, abordando as diferenças geográficas e os fatores envolvidos na gênese dos distúrbios tireoidianos.

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1) HIPERTIREOIDISMO

Epidemiologia

Em geral, sua incidência está relacionada ao estado nutricional de iodo numa população. A prevalência do hipertireoidismo clínico varia de 0,2% a 1,3% em regiões suficientes em iodo. Maiores taxas são encontradas em países com deficiência de iodo, o que também está associado à maior incidência de doença nodular em pacientes idosos. É comum se observar aumento na incidência da Doença de Graves em áreas que passam de deficientes a suficientes em iodo.

Etiologia e fenótipo clínico

– Doença de Graves e nódulos tireoidianos:
A Doença de Graves é responsável por 70 a 80% dos casos de hipertireoidismo em áreas iodo-suficientes, e por 50% dos casos em áreas com deficiência de iodo, sendo a outra metade atribuída à doença nodular da tireoide.

Tabela 1: fenótipo clínico de acordo com a causa do hipertireoidismo

Doença de Graves Nódulos
Idade 3ª à 5ª década Princical causa em Idosos
Iodo dietético Áreas iodo-suficientes Áreas com deficiência de iodo
Hipertireoidismo declarado Mais frequente Menos frequente
Hipertireoidismo subclínico Menos frequente Mais frequente
Complicações cardiovasculares Menos frequente Mais frequente
Apresentação clínica Bócio difuso

Oftalmopatia 20-30% (tabagismo)

Mixedema pré-tibial (raro)

Acropatia (raro)

Nódulo tireoidiano palpável ou não
Patogênese Anticorpos anti receptor TSH (TRAb) Carência de iodo
Taxa feminino/masculino 8:1 5:1

Tabela 2: incidência de complicações na Doença de Graves de acordo com a etnia

Asiáticos Caucasianos
Oftalmopatia de Graves Incomum 6x mais comum do que em asiáticos
Paralisia periódica tireotóxica Em 2% dos casos Em 0,2% dos casos

A incidência do bócio multinodular tóxico é de 18 casos por 100.000 por ano em comparação com 1,5 casos por 100.000 por ano em áreas de alto consumo de iodo, o que não é diferente do observado com nódulos tóxicos solitários.

– Tireoidite indolor:
É caracterizada por um quadro autolimitado de tireotoxicose seguido por hipotireoidismo e retorno à função tireoidiana normal. Detalhes epidemiológicos são limitados.

Dados de áreas costeiras do Japão ricas em iodo sugeriram que cerca de 10% dos pacientes com tireotoxicose tinham tireoidite indolor, em contraste com 2,4% dos pacientes tireotóxicos de Nova York.

A condição é pouco mais comum em mulheres que em homens (1,5:1), e hipotiroidismo permanente ocorre em 10 a 20% dos casos.

Tireoidite aguda dolorosa pode ocorrer após infecção do trato respiratório, enquanto a tireoidite indolor pode ocorrer no pós-parto em até 9% das mulheres saudáveis.

– Hipertireoidismo induzido por drogas:
A tireotoxicose Induzida por amiodarona, composto rico em iodo, é mais comum em áreas com deficiência de iodo e parece ser mais frequente em homens, com uma relação homem: mulher de até 3:1.

A prevalência de tireotoxicose induzida por amiodarona é altamente variável (1% a 38%), com índices mais detalhados relatados na América do Norte (3%) e no Japão (5,8%).

Outras drogas que causam tireotoxicose incluem IFN-α, lítio, inibidores de tirosina quinase, terapias antirretrovirais, mediadores dos checkpoints imunológicos e anticorpos monoclonais humanizados usados no tratamento da esclerose múltipla.

Apesar dessas drogas poderem causar tireotoxicose transitória através de tiroidite destrutiva, agentes modificadores do sistema imune como o IFN-α, terapias antirretrovirais e alemtuzumabe também podem induzir a doença de Graves através de mecanismos de reativação imunológica não totalmente esclarecidos.

– Hipertireoidismo subclínico:
Prevalência entre 1 e 5%, porém difícil de estimar com precisão. Pico bimodal dos 20 aos 39 anos e após 80 anos de idade. É mais comum em mulheres. Globalmente, o maior fator de risco, além do uso de levotiroxina (o uso de doses excessivas é responsável por 50% dos casos de hipertireoidismo subclínico), é a deficiência de iodo. A prevalência de hipertireoidismo subclínico aumenta de cerca de 3% em áreas iodo-suficientes para 6–10% em áreas com deficiência de iodo, o que está fortemente relacionado a bócios nodulares tóxicos.

Dados quanto ao risco de progressão para o hipertireoidismo clínico são limitados, mas numa base de dados escocesa composta por 2024 casos de hipertireoidismo subclínico, a grande maioria dos pacientes não tratados não progrediu para hipertireoidismo, e um terço dos pacientes retornou ao estado tireoidiano normal 7 anos após o diagnóstico inicial.

– Hipertireoidismo induzido por iodo:
Também conhecido por fenômeno Jod-Basedow. É mais comum em pessoas idosas com bócio nodular de longa data e em regiões de deficiência de iodo. Programas de iodação podem aumentar temporariamente o risco de hipertiroidismo induzido por iodo.

Idosos com doença cardíaca associada estão em maior risco.

Além do iodo da suplementação, os agentes de contraste radiográfico também podem induzir hipertireoidismo.

– Hipertireoidismo na gravidez:
Mulheres parecem estar em maior risco de hipertireoidismo no primeiro trimestre. A doença de Graves é a causa mais comum.

A incidência é estimada de 0,2% para tireotoxicose evidente, e 2,5% para tireotoxicose subclínica. Já a tireotoxicose gestacional é um distúrbio benigno e transitório da gravidez que tipicamente ocorre no primeiro trimestre.

2) HIPOTIREOIDISMO

Fatores que influenciam na epidemiologia do hipotireoidismo:

  • Deficiência de iodo: deficiência de iodo e doença autoimune (tireoidite de Hashimoto) são responsáveis pela grande maioria dos casos de hipotireoidismo. Cerca de um terço da população mundial vive em áreas deficientes em iodo.
  • Idade: em países suficientes em iodo a prevalência de hipotireoidismo varia de 1% a 2%, aumentando para 7% em indivíduos com idade entre 85 e 89 anos.
  • Sexo: o hipotireoidismo é aproximadamente dez vezes mais prevalente em mulheres do que em homens.
  • Variações regionais/etnia: no estudo NHANES III, a prevalência global de hipotireoidismo foi de 4,6%, sem diferenças entre indivíduos brancos e hispânicos, mas foi marcadamente menor em indivíduos de ascendência afro-caribenha (1,7%).
    Variações regionais sugerem interferência do meio ambiente no desenvolvimento do hipotiroidismo. Enquanto iodo e fatores genéticos exercem papéis importantes, acredita-se que outros fatores como níveis elevados de desreguladores endócrinos sejam parte da explicação para o aumento na prevalência do hipotireoidismo.
  • Hipotireoidismo na gravidez
    Em áreas iodo-suficientes a prevalência de hipotiroidismo na gravidez é de 2%. O controle do estado tireoidiano é essencial para a evolução obstétrica e desenvolvimento fetal.
  • Hipotireoidismo congênito
    O hipotireoidismo congênito é uma das causas tratáveis mais comuns ​​de retardo mental. Até 2007 estimava-se que o hipotireoidismo congênito afetava aproximadamente um bebê em 3.500-4.000 recém-nascidos, mas, ao longo da última década, vários programas de rastreio relataram um aumento na prevalência.
    Apesar das vantagens indiscutíveis dos programas de rastreio, estima-se que apenas 29,3% dos nascimentos são monitorados.

– Hipotireoidismo induzido por drogas:
Várias drogas causam hipotireoidismo.

  • Lítio: A terapia de lítio provoca hipotireoidismo evidente em 5 a 15% dos pacientes.
  • Amiodarona: hipotireoidismo em 6,9 a 22% dos pacientes em áreas suficientes em iodo.
  • Inibidores do checkpoint imunológico: reativam o sistema imunológico contra células cancerígenas, mas também podem induzir efeitos adversos autoimunes especialmente sobre o eixo hipotálamo-hipófise-tireoide. Hipotireoidismo se desenvolve em 4 a 27% dos pacientes.
  • Inibidores de tirosina quinase: 27% dos pacientes necessitam de levotiroxina durante o tratamento.

Tabela 3: causas de hipotireoidismo e hipertireoidismo

Hipotireoidismo Hipertireoidismo
Primário – Tireoidite de Hashimoto

– Iodo: deficiência grave ou excesso leve a grave

– Iatrogênico: radioiodo ou cirurgia

– Genético. Ex: hipotireoidismo congênito

– Induzido por drogas: amiodarona, lítio, anticorpos monoclonais, valproato de sódio, inibidores da tirosina quinase e inibidores do checkpoint imunológico.

– Tireoidite transitória: pós parto (viral – S. De Quervain)

– Infiltração tireoidiana: infecção, malignidade (primária ou metastática), sarcoidose.

– Estimulação aumentada secundária a anticorpos do receptor de TSH (doença de Graves) e secreção excessiva de gonadotrofina coriônica humana (hiperemese gravídica e tumores trofoblásticos, como o coriocarcinoma ou a mola hidatiforme)

– Autonomia tireoidiana: bócio multinodular tóxico, nódulo solitário tóxico e hipertireoidismo familiar não autoimune

– Excesso de liberação do hormônio tireoidiano armazenado: autoimune (tireoidite silenciosa ou pós-parto), infecciosa viral (tireoidite de De Quervain), bacteriana ou fúngica,

farmacológico (amiodarona, IFN-α) ou radiação.

– Exposição ao excesso de iodo, conhecido como efeito Jod – Basedow (excesso de ingestão de iodo

incluindo contraste radiográfico)

Secundário

(central)

– Disfunção hipotalâmica

– Disfunção hipofisária (macroadenoma e/ou apoplexia)

– Resistência ao TSH ou TRH

– Drogas: ex – dopamina ou somatostatina.

– Secreção inapropriada de TSH (adenoma pituitário secretor de TSH ou

resistência hipofisária ao hormônio tireoidiano)

Extra-tireoidiano – Hipotireoidismo consumptivo

-Mutações TRα, TRβ e MCT8

– Excesso de ingestão do hormônio tireoidiano (iatrogênico ou factício)

– Secreção de hormônio tireoidiano ectópico (struma ovarii e metástases funcionais câncer de tireoide).

Tabela 4: fatores de risco para o desenvolvimento do hipotireoidismo e do hipertireoidismo

Fator de risco

Hipotireoidismo

Hipertireoidismo

Comentários
Sexo Feminio

+

+

Deficiência de iodo

+

+

Excesso de iodo

+

+

Outras condições autoimunes

+

+

Em 10% dos pacientes com D. Graves e 15% daqueles com T. Hashimoto
Tabagismo

+

D. Graves 2x

Oftalmopatia Draves 8x

resposta a drogas antitireoidianas

risco hipotireoidismo

Álcool

NA

Consumo moderado pode ↓risco de hipotireoidismo.
Deficiência de selênio Um estudo mostrou que pacientes com D.Graves e hipotireoidismo recém-diagnosticados tinham níveis de selênio menores que a população normal.
Drogas

+

+

Amiodarona, lítio e IFN-ϒ.
Condições sindrômicas

+

NA

S. Down: 25% tireoidopatia. Mais comum é o hipotireoidismo primário; S. Turner: 13% tem hipot.
NA: não aplicável / -: risco reduzido / +: risco aumentado

 

A apresentação clínica das doenças da tireoide é variável e muitas vezes inespecífica, portanto o diagnóstico de disfunção tireoidiana deve ser confirmado através de exames laboratoriais, sendo o TSH o marcador mais sensível da função tireoidiana.

Este artigo não tem como objetivo abordar questões terapêuticas, porém vale a pena lembrar que estudos têm demonstrado que muitos indivíduos com alterações discretas nos níveis de TSH podem apresentar normalização espontânea do TSH após um período de observação. Repetir as provas de função tireoidiana antes de iniciar o tratamento, especialmente em casos de alterações subclínicas, pode ser uma boa estratégia.

Mais da autora: ‘8 perguntas e respostas sobre desreguladores endócrinos e seus efeitos na homeostase tireoidiana’

Referências:

  • Global epidemiology of hyperthyroidism and hypothyroidism. NATURE REVIEWS | ENDOCRINOLOGY. Peter N. Taylor et al. Publicado online em 23/março/2018.

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