Dupla anti-agregação plaquetária e anticoagulantes: uma combinação perigosa

O uso da DAPT associado à anticoagulação, inicialmente com varfarina, foi eficaz em reduzir eventos, porém com um risco elevado de sangramento.

Imagine que em seu consultório você recebe um paciente com fibrilação atrial, que precisa de anticoagulação, e sofreu recentemente um infarto agudo do miocárdio necessitando implante de stent farmacológico. Este paciente lhe apresenta a seguinte receita:

AAS 100mg por dia, clopidogrel 75mg por dia e rivaroxabana 20mg por dia.

A grande pergunta é, devemos manter esses medicamentos ?

Está provado que, para evitar trombose de stent, a dupla anti-agregação plaquetária (DAPT), seja com clopidogrel ou outro anti-agregante somado ao AAS, é mais eficaz em relação à anticoagulação. E está provado que, para prevenção de acidente vascular encefálico (AVE) em pacientes com FA, a anticoagulação é mais eficaz que a anti-agregação plaquetária.

Os números mostram que 80% dos pacientes com fibrilação atrial (FA) necessitam de anticoagulação e de 10 a 15% desses pacientes vão necessitar de intervenção percutânea em algum momento da vida. Neste contexto, o uso da DAPT associado à anticoagulação, inicialmente com varfarina, foi eficaz em reduzir eventos, porém com um risco elevado de sangramento maior em estudos não randomizados, o que em pacientes com síndrome coronariana aguda representa um aumento no risco de morte em 5 vezes em 30 dias.

Estudos observacionais mostraram taxas de sangramento maior de 0 a 15% com a tríplice terapia em 30 dias, e uma meta-análise com 10 estudos envolvendo 1.349 pacientes mostrou uma incidência de 2,2% de sangramento maior em 30 dias. No entanto, esses estudos eram pequenos, com populações heterogêneas, com diferentes cointervenções e diferentes interpretações de sangramento maior. Ainda sim, 2,2% de incidência de sangramento parece bem razoável em relação ao benefício da terapia.

O grande problema é que o estudo mostrou uma incidência de 12% de sangramento maior em 1 ano. Esse valor seria inaceitável e atingiria principalmente pacientes com implante de stent farmacológico, que necessitariam de DAPT por um período de tempo maior. Portanto, as proposições iniciais como medidas de atenuação de risco e manutenção de benefício seriam: utilizar a menor dose de AAS eficaz; utilizar inibidor de bomba de prótons para evitar sangramento gastrointestinal, manter o INR muito bem controlado, de preferência entre 2 e 2,5.

Mais do autor: ‘Devo prescrever AAS para pacientes sem doença arterial coronariana?’

Com o surgimento de novos anticoagulantes orais (ACO) e a não necessidade de mensuração do INR, a vida dos pacientes com FA e necessidade de anticoagulação ficou mais confortável. Os estudos RELY, ROCKET AF e ARISTOTLE provaram que tanto a dabigatrana quanto a rivaroxabana e apixana não eram inferiores em relação a varfarina na prevenção de AVE na FA, respectivamente. Porém, o sangramento com o uso destes medicamentos associados a DAPT permanecia inaceitável, daí a necessidade de novos estudos que testassem alternativas seguras e eficazes em relação a essa questão.

Neste contexto, destoa-se o estudo PIONEER-AF-PCI que comparou três terapias, varfarina, AAS e clopidogrel como terapia base e rivaroxabana 15mg e clopidogrel 75mg, ou rivaroxabana 2,5mg 2 vezes ao dia, AAS 100mg e clopidogrel 75mg como terapias alternativas. O objetivo deste estudo foi avaliar a segurança dos três esquemas em uma população de pessoas com FA em pacientes com necessidade de intervenção percutânea.

A terapia base de comparação adotada foi a varfarina (INR entre 2 -3), o AAS 100mg e o clopidogrel 75mg. A terapia de rivaroxabana 15mg e clopidogrel sem o AAS teve origem no estudo WOEST, que provou em uma população de médio porte que a retirada do AAS reduziu significativamente as taxas de sangramento.

Já o esquema com rivaroxabana 2,5mg AAS e clopidogrel foi proveniente do estudo ATLAS em portadores de SCA. O PIONEER envolveu 2.124 pacientes com idade média de 70 anos, e selecionou pacientes portadores de angina estável, instável, infarto sem e com supra de segmento ST. Dois terços dos pacientes receberam terapia com stents farmacológicos e o controle da anticoagulação com varfarina (INR entre 2 e 3) foi considerado bastante eficiente (65%).

Os resultados mostraram que a terapia com rivaroxabana é segura e eficaz, a taxa de sangramento foi significativamente menor em relação à varfarina (26,7% no grupo da varfarina, 18% no grupo da rivaroxabana, AAS e clopidogrel e 16,8% no grupo da rivaroxabana e clopidogrel) sem diferenças significativas na incidência de morte cardiovascular, infarto ou AVE (6% no grupo da varfarina, 5,6% no grupo da rivaroxabana, AAS e clopidogrel e 6,5% no grupo da rivaroxabana e clopidogrel).

Com isso podemos concluir que a terapia tríplice (ACO + DAPT) está condenada sendo preferível as terapias alternativas avaliadas no estudo PIONEER-AF-PCI.

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Referências:

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