Estatinas aceleram a formação de ateromas calcificados: entenda por que isso pode ser bom!

A interpretação de que “quanto maior a calcificação, maior o risco” pode não estar correta, ao menos naqueles pacientes que utilizam estatinas.

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

A correlação entre calcificação do leito arterial coronário e presença de aterosclerose encontra grande respaldo na literatura, de tal modo que hoje em dia utilizamos o exame “escore de cálcio”, pela tomografia computadorizada, para refinarmos a estratificação do risco cardiovascular em diversas populações. Entretanto, a interpretação de que “quanto maior a calcificação, maior o risco” pode não estar correta, ao menos naqueles pacientes que utilizam estatinas. Esta é uma ideia interessante do recente estudo PARADIGM (Progression of AtheRosclerotic PlAque DetermIned by Computed TomoGraphic Angiography Imaging), publicado no JACC Cardiovascular Imaging.

Antes de mergulharmos no estudo, vamos lembrar que as estatinas têm se mostrado drogas fundamentais no tratamento da doença coronária, com vários estudos mostrando redução de eventos duros, como mortalidade e incidência de infarto. Apesar de vários racionais que procuram explicar o mecanismo fisiopatológico pelo qual as estatinas promovem seu efeito, parece ainda haver muito a ser desvendado. Seria um efeito dependente exclusivamente da redução do LDL colesterol ou realmente os chamados “efeitos pleiotrópicos” desempenham um papel relevante? Estudos utilizando biomarcadores inflamatórios e modalidades de imagem invasivos (como o ultrassom intracoronário e tomografia de coerência óptica) e não invasivos (como a tomografia coronária) têm sido utilizados para esclarecer estas questões.

O estudo em questão avaliou 1.255 pacientes com doença coronária suspeita ou definida, em 13 centros de sete países (incluindo o Brasil), que realizaram angiotomografias coronarianas sequenciais em intervalos de no mínimo 2 anos, entre 2003 e 2015. O estudo comparou as características dos ateromas dos pacientes que utilizam estatinas (em torno de 70% da população do estudo) e aqueles que não utilizavam esta classe de droga. Foram analisadas 3.575 lesões, a maioria delas “não-obstrutivas” (<50% de estenose) no exame inicial (98.6%).

Durante o seguimento, observou-se que a progressão do volume dos ateromas foi mais lenta nos pacientes que utilizam estatinas (1.76 versus 2.04 mm3/ano; p = 0.002). Esse dado, de certo modo esperado, é congruente com os conhecimentos que temos sobre as estatinas. Entretanto, isso não mudou de modo significativo o percentual de lesões que se tornaram obstrutivas (>50% de estenose), ao longo do seguimento, entre os dois grupos de pacientes (1.0% versus 1.4%; p>0.005; e razão de chances para o grupo estatina (OR) de 0.66; p= 0.225).

Ainda mais impressionantes foram os dados relativos às características dos ateromas. Para entender estes resultados, vale uma breve revisão. Os ateromas de alto risco, ou seja, aqueles que apresentam elevada incidência dos chamados “acidentes de placa”, responsáveis pelos eventos agudos, apresentam características conhecidas em alguns métodos de imagem: calcificações pontuais e heterogêneas, remodelamento arterial positivo e baixa densidade. De modo oposto, placas com densidades elevadas, classificadas em correspondência à histologia como as fibróticas e as homogeneamente calcificadas, representam placas mais estáveis, menos propensas aos eventos agudos. Retomando o estudo, observou-se uma incidência menor de características de alto risco nos ateromas do pacientes em uso de estatinas (0.9% versus 1.6%/ano; p < 0.001). Houve também um notável aumento no percentual volumétrico de calcificação do ateroma neste grupo (1.27 versus 0.98 mm3/ano; p < 0.001), com um retardo na progressão do percentual volumétrico de conteúdo não calcificado (0.49 versus 1.06 mm3/ano; P < 0.001). Ou seja, as placas dos pacientes em uso de estatina se tornaram mais calcificadas e com menos características associadas à instabilização.

LEIA MAIS: Efeitos adversos da terapia com estatinas – percepção versus evidência

Estes resultados levam a hipótese de que a calcificação das placas não necessariamente se relaciona a um processo maligno, especialmente nos pacientes que utilizam estatinas. Ao contrário, talvez esse seja justamente um dos mecanismos pelos quais as estatinas são capazes de reduzir eventos, como o infarto. Essa evidência exige toda uma reinterpretação do “escore de cálcio” sequencial em pacientes com aterosclerose subclínica, já que sua elevação neste grupo de pacientes não representa algo negativo, podendo ser até um marcador de melhor prognóstico (apesar de não haver nenhuma indicação formal de se utilizar esse exame para esse fim).

Em relação ao fato de as estatinas não terem evitado, de forma significativa, o desenvolvimento de lesões obstrutivas, os autores do estudo, em entrevista publicada no portal de cardiologia intervencionista americano TCTMD², destacaram: “As estatinas não podem consertar tudo. Definitivamente observamos pacientes em uso de estatina, que ao longo do tempo acabam precisando de um stent. Entretanto, as estatinas parecem fazer um grande trabalho em reduzir o risco de eventos ruins relacionados a ruptura de placas, que são justamente os que nos preocupam mais.” Nesta mesma entrevista, os autores se mostraram ansiosos para descobrir se novas medicações hipolipemiantes, como os inibidores da PCSK9, seriam capazes de reproduzir esses efeitos.

Dentre as limitações do estudo, destaca-se o fato de se tratar de uma evidência observacional, sem qualquer randomização dos pacientes. O critério clínico que motivou a prescrição das estatinas se correlacionou, obviamente, a pacientes potencialmente mais graves e com maior carga aterosclerótica. Apesar de a maioria dos indivíduos estarem utilizando estatinas de alta potência em altas doses, não houve um critério de estratificação quanto ao tipo e doses destes fármacos nas análises. Também não houve um critério quanto ao tempo de uso de estatina, inclusive com uma boa parte dos participantes tendo iniciado a droga durante o andamento do estudo.

É médico e também quer ser colunista do Portal da PEBMED? Inscreva-se aqui!

Referências:

  1. Lee S-E, Chang H-J, Sung JM, et al. Effects of statins on coronary atherosclerotic plaques: the progression of atherosclerotic plaque determined by computed tomographic angiography imaging (PARADIGM) study. J Am Coll Cardiol Img. 2018;Epub ahead of print.
  2. Serial CTA Shines a Light on Statin Effects in Subclinical CAD Statins appear to slow the pace of stenosis, while also leading to a greater progression of calcified atheroma volume, suggesting stabilization. By Yael L. Maxwell – TCTMD June 15, 2018. https://www.tctmd.com/news/serial-cta-shines-light-statin-effects-subclinical-cad

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.

Especialidades