Excel Trial – ICP x CRVM? O que escolher?

A doença arterial coronariana (DAC) continua sendo uma importante causa de morte no mundo atual e o manejo de tal entidade costuma ser um desafio.

A doença arterial coronariana (DAC) continua sendo uma importante causa de morte no mundo atual e sua incidência está diretamente relacionada a: envelhecimento da população, síndrome metabólica, sedentarismo, tabagismo e história familiar para DAC precoce. No entanto, apesar este tema ser alvo de muitos estudos e inovações no âmbito das intervenções, o manejo de tal entidade pode e costuma ser um desafio até para os cardiologistas mais experientes.

500x120-assinatura

Um aspecto do tratamento da DAC muito debatido hoje é decidir, para os casos candidatos à revascularização, sobre qual estratégia seria mais benéfica para cada paciente e nos diferentes contextos clínicos.

Em março de 2009, o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou o trial SYNTAX (Synergy between PCI with Taxus and Cardiac Surgery), que comparou as duas estratégias de revascularização para pacientes com lesão de tronco de coronária esquerda (TCE) ou trivasculares, e cuja análise de subgrupo sugeriu ser apropriada a intervenção coronariana percutânea (ICP) para os pacientes com lesão de TCE, mas sem outras lesões coronarianas concomitantes (Syntax score baixo) quando comparada à cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM), gerando a hipótese de não-inferioridade da ICP em relação à CRVM para pacientes com lesão de TCE com SYNTAX score baixo.

Em 31 de outubro de 2016, o NEJM publicou um artigo original online (link nas referências) sobre o trial EXCEL (Evaluation of XIENCE versus Coronary Artery Bypass Surgery for Effectiveness of Left Main Revascularization), que consiste num estudo multicêntrico e randomizado para comparar duas estratégias de revascularização (percutânea X cirúrgica) entre 1.905 pacientes com lesão de tronco de coronária esquerda (TCE) ou equivalente e baixa complexidade anatômica, ou seja, um SYNTAX score menor ou igual a 32.

Se você não estiver familiarizado com esse score, veja aqui.

Os critérios de inclusão foram:

  • Lesão obstrutiva maior ou igual a 70% no TCE ou lesão entre 50% e 70 % + comprovação por exame complementar de ser significativa ou consenso entre os membros do Heart Team (cirurgião cardíaco + hemodinamicista) de cada centro quanto a ser um caso passível de abordagem pelas duas estratégias;
  • Syntax score menor ou igual a 32 avaliado pelo Heart Team em cada centro participante;

Os principais critérios de exclusão foram:

  • ICP prévia de TCE;
  • ICP no ano anterior de qualquer outro território coronariano;
  • e necessidade de outra cirurgia combinada (ex.: troca valvar).

O desfecho combinado primário avaliado foi morte, AVE ou infarto agudo do miocárdio três anos (follow-up médio) após a intervenção. Tal desfecho ocorreu em 15,4% dos 948 pacientes do grupo da ICP e em 14,7% dos 957 pacientes grupo da CRVM, resultando numa diferença de 0,7% que foi estatisticamente significativa para não-inferioridade.

O mesmo desfecho no 30º dia foi favorável à ICP, o que já era esperado, uma vez que o tratamento cirúrgico tem um risco maior associado ao procedimento (circulação extracorpórea, infecções, sangramento importante, necessidade de hemotransfusão, maior tempo de internação, insuficiência renal, arritmias e necessidade do uso de anticoagulantes oral).

Mas de que forma devemos utilizar esses dados? Como fazer uma análise crítica de tais evidências?

Aspectos importantes:

– A taxa de trombose de stent, complicação temida dos stents farmacológicos, foi baixíssima (0,7%) durante o follow-up. Isto pode ser atribuído a alguns dados importantes: stents de última geração, o uso do US intracoronário em quase 80% das ICPs, permitindo uma ótima aposição e expansão do stent e o fato de envolver vasos coronarianos calibrosos. Vale ressaltar também a boa adesão a terapia com dupla anti-agregação plaquetária (DAP) após ICP. Seriam esses fatores fáceis de se reproduzir no local onde seu paciente seria tratado?

– A duração do follow-up de 3 anos ainda é curta para se avaliar o desfecho combinado primário, além desse ser o ponto de cruzamento das curvas de Kaplan-Meier, sugerindo uma tendência a evidenciar o benefício da cirurgia a partir deste ponto. De toda forma, é provável que os resultados de cinco ou mais anos de seguimento sejam liberados no futuro;

– Centros predominantemente norte-americanos e europeus com cerca de ¾ da população estudada sendo homens e com pouquíssimos afrodescendentes no estudo;

– Discrepância entre o SYNTAX score feito o Heart Team local e do núcleo de análise do estudo, reclassificando 24% dos pacientes como grave. O score é feito pela análise visual da anatomia coronariana e está sujeito a divergência entre diferentes médicos;

– O tratamento clínico foi consideravelmente diferente entre os dois grupos;

– Houve maior necessidade de nova revascularização nos pacientes inicialmente submetidos a ICP ao longo dos 3 anos de seguimento.

Considerações finais:

É sempre importante buscar os dados, quando disponíveis, de mortalidade e complicações cirúrgicas no local onde se trabalha e do cirurgião cardíaco que for operar. O sucesso ou não de um procedimento de grande porte como uma CRVM depende de fatores que envolvem o pré-op, o peri-op e pós-op.

Da mesma forma, é preciso saber que materiais estão disponíveis no hospital onde se atua. Existe a disponibilidade de uso do mesmo stent usado nesse estudo? E do US intracoronário para guiar o procedimento? E a adesão à DAP pós-ICP?

Ainda é cedo para prever como o resultado do EXCEL pode alterar as diretrizes europeias e norte-americanas (localização da maioria dos centros envolvidos), mas vale ressaltar que a medicina em muitos desses países envolvidos são menos “paternalistas” e a decisão final recai mais sobre os pacientes após serem bem informados das vantagens e desvantagens de cada estratégia.

Também existem outros estudos comparando essas estratégias e com resultados diferentes, mas o que parece correto é que a CRVM é mais benéfica a médio e longo prazo mas às custas de uma maior taxa de complicações nos primeiros 30 dias após o procedimento, porém devemos aguardar os resultados com seguimento maior para confirmar tal informação.

O desafio na condução dos pacientes com DAC permanece e a individualização da escolha parece ainda recair sobre detalhes que não podem passar despercebidos como: faixa etária do paciente, expectativa de vida, outras comorbidades importantes, experiência do centro onde serão postas em prática tais condutas etc. O objetivo desta coluna não é responder à pergunta no título como uma “receita de bolo” e muito menos substituir a leitura do artigo disponível no site do NEJM.

cristianocarvalho

As melhores condutas médicas você encontra no Whitebook. Baixe o aplicativo #1 dos médicos brasileiros. Clique aqui!

250x250-1

Referências:

  • Gregg W. Stone et al. Evaluation of XIENCE versus Coronary Artery Bypass Surgery for Effectiveness of Left Main Revascularization, NEJM, 31/10/2016. (https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1610227#t=article)
  • Patrick W. Serruys et al. Percutaneous Coronary Intervention versus Coronary-Artery Bypass Grafting for Severe Coronary Artery Disease, NEJM, 05/03/2009. (https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa0804626#t=article)

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.

Especialidades