Manifestações dermatológicas na doença do enxerto versus hospedeiro

A doença do enxerto versus hospedeiro é decorrente de uma reação imunológica das células T imunocompetentes do doador contra antígenos do receptor.

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A doença do enxerto versus hospedeiro (DEVH) é decorrente de uma reação imunológica das células T imunocompetentes do doador contra antígenos específicos do receptor que pode ocorrer após transplantes alogênicos¹.

Como é uma doença induzida pelas células T, o maior risco de desenvolver esta reação se dá nos transplantes ricos nestas células, como o transplante alogênico de células tronco do sangue periférico ou de medula óssea¹. Transplantes de órgãos sólidos são de menor risco para o desenvolvimento de DEVH, os mais associados foram de fígado e coração, tendo relatos até em pós de transfusão sanguínea, principalmente de compostos não irradiados1,2.

A fisiopatogênese da DEVH ainda é tema para estudo nas bases genéticas e imunológicas. Basicamente, sabe-se que os linfócitos imunocompetentes presentes no tecido transplantado podem reconhecer antígenos celulares do receptor e desencadear a reação específica. Os órgãos mais afetados com esta reação são: a pele, fígado e trato gastro-intestinal¹. Há ainda, diferenças entre o tipo de reação da DEVH aguda (DEVHa) e crônica (DEVHc). Acredita-se que na DEVHa a reação seja puramente alorreativa e na DEVHc contenha mecanismos alo e autorreativos³.

Hoje em dia, as reações de DEVH vêm se tornando mais raras. A partir de 1970, os avanços dos testes de histocompatibilidade e a introdução dos regimes imunossupressores vêm reduzindo as taxas de rejeição e manifestações da DEVH1,2,3.

estetoscópio e registros médicos

Manifestações dermatológicas doença do enxerto versus hospedeiro:

As manifestações da DEVH são divididas entre agudas e crônicas. Por definição, a DEVHa é aquela que ocorre dentro dos primeiros 100 dias após o transplante e a DEVHc, após esse período. Mas é claro que as diferenças clínicas e histológicas é que se fazem importante, para definição de prognóstico e tratamento³.

Assim, novo modelo de classificação proposto pelo consenso dos Institutos Nacionais de Saúde Americanos (NIH) permite classificar aqueles casos de manifestações tipicamente agudas, mas que surgiram após os 100 primeiros dias com a redução dos imunossupressores, em DEVH aguda-tardia, persistente ou recorrente4.

Vale ressaltar que embora o desenvolvimento de DEVH apresente alta mortalidade, é considerado efeito protetor para o risco de recidiva tumoral, revelando menores incidências de recidivas nos pacientes que desenvolveram DEVH1,3.

DHVHa

As manifestações que ocorrem classicamente dentro dos primeiros 100 dias pós transplante são classificadas em DEVHa clássica. As que tipicamente ocorrem dentro dos primeiros 14 dias (mais comum) têm sido classificadas por alguns autores como DEVHa de início precoce ou hiperaguda5.

As manifestações clínicas nesta fase, envolvem principalmente a pele, que vamos abordar no próximo parágrafo, o fígado com sintomas de hepatite colestática e o trato gastro-intestinal com diarreia e lesões de mucosa, além de febre.

Na pele ocorre exantema máculo-papuloso perifolicular, eritematoso, inicialmente nas extremidades, incluindo regiões palmoplantares, orelhas, nuca e parte superior do dorso. Se atingir até 25% da área da superfície corpórea é considerado DEVHa grau I. Sintomas são variáveis podendo manifestar prurido ou queimação local1,2,6,7.

Pode evoluir com exantema generalizado, acometendo de 25 a 50% da área corporal (grau II) ou mais que 50% até eritrodermia (grau III). Se houver eritrodermia, com formação de bolhas e descolamento epidérmico, semelhante a síndrome de necrose epidérmica tóxica (NET), é considerada DEVHa grau IV1,2,6,7.

Manifestações na mucosa oral podem ocorrer, como erosões, úlceras, lesões aftoides, mas são de difícil diferenciação da mucosite já esperada pelo uso de medicamentos pré e pós transplante. Lesões persistentes no palato duro são mais sugestivas de manifestação da DEVHa do que de mucosite6.

DEVHc

Se a incidência e a gravidade da DEVHa vem diminuindo devido ao desenvolvimento dos testes e das medicações imunossupressoras, a incidência da DEVHc vem aumentando¹.

A DEVHc pode ocorrer posteriormente a uma manifestação aguda prévia ou simplesmente pode ocorrer de novo, após os 100 primeiros dias pós transplante.

Neste subtipo, a pele é o órgão mais comumente afetado, dois padrões típicos distintos são classicamente descritos: liquenoide e esclerodermoide. Hoje em dia, outros padrões menos definidos já são reconhecidos também como manifestação da DEVHc, apontando para um espectro de doença e não dois pólos distintos7.

Manifestações iniciais como xerose cutânea, áreas de poiquilodermia e máculas e placas hipo ou hiperpigmentadas podem ocorrer8,9.

Essas lesões iniciais podem evoluir para o padrão liquenoide clássico, que consiste em pápulas e placas eritemato-violáceas, assintomáticas, predominantemente na face dorsal das extremidades e também seguindo as linhas de blascko, semelhante ao líquen plano1,8.

Essas lesões também podem evoluir para o padrão esclerodermoide, ou este surgir de novo. Caracteriza-se por placas escleróticas, fasciítes e até diminuição da mobilidade articular. Raramente pode evoluir para sintomas de esclerose sistêmica com acometimento da musculatura lisa (esôfago) e pulmonar1,8,9.

Outras manifestações cutâneas: algumas outras alterações já foram documentadas dentro do contexto de DEVH, dentre elas: síndrome seca, ictiose, pruridermia, alopecia, onicólise, pterígio ungueal, entre outros8.

Diagnóstico:

A DEVHa deve ser rapidamente identificada para início de intervenção, devido a sua alta mortalidade, o que na maioria das vezes vai ser mais visto pelo médico hematologista ou oncologista, que pelo dermatologista.

Para o diagnóstico da DEVHc, recomenda-se biópsia de uma das lesões manifestantes para análise histológica. As lesões liquenoides apresentam histopatologia típica de líquen plano (vacuolização da camada basal e infiltrado linfocitário dérmico disposto em faixa) e as lesões esclerodermoides típicas de morfeia (evidenciam atrofia epidérmica e fibrose dérmica)1,2.

Tratamento:

O tratamento da DEVHa deve ser prontamente instituído e é baseado no início de corticoides sistêmicos e manutenção dos imunossupressores habitualmente usados nos transplantes (sirolimo, tacrolimo, ciclosporina).

Já o tratamento para as manifestações de DEVHc vai variar de acordo com a manifestação específica. Todos os pacientes vão se beneficiar do uso de emolientes e manutenção de uma pele bem hidratada. Lesões esclerodermoides, principalmente as extensas e em evolução podem apresentar boa resposta com a fototerapia10.

Conclusão:

A DEVHa vem se tornando cada vez menos frequente, mas devido a sua alta mortalidade requer tratamento precoce e acompanhamento multidisciplinar, com hematologistas, oncologistas e o dermatologista.

Já a DEVHc vem ganhando mais importância no papel da Dermatologia e, embora não apresente grande mortalidade aos pacientes transplantados, ela acarreta morbidade e alterações na qualidade de vida. As lesões esclerodermoides são as de maior impacto na qualidade de vidas desses pacientes, mas que tendem a responder satisfatoriamente à fototerapia. O acompanhamento dos pacientes candidatos à fototerapia deve ser periódico, devido ao risco aumentado em desenvolver carcinomas cutâneos.

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Referências:

  1. Bolognia JL, Jorizzo JL, Schaffer JV, editors. Dermatology. 3nd ed. St. Louis, MO: Mosby-Elsevier; 2012
  2. Junior WB, Chiacchio N, Criado PR, editores. Tratado de Dermatologia. 2ª ed. Atheneu; 2014
  3. Silva MM, Bouzas LFS, Filgueira AL. Manifestações tegumentares da doença enxerto contra hospedeiro em pacientes transplantados de medula óssea. An Bras Dermatol. 2005;80(1):69-80
  4. Vigorito AC, Campregher PV, Storer BE, et al. Evaluation of NIH consensus criteria for classification of late acute and chronic GVHD. Blood 2009; 114:702.
  5. Saliba RM, de Lima M, Giralt S, et al. Hyperacute GVHD: risk factors, outcomes, and clinical implications. Blood 2007; 109:2751.
  6. Vargas-Díez E, García-Díez A, Marín A, Fernández-Herrera J. Life-threatening graft-vs-host disease. Clin Dermatol 2005; 23:285.
  7. Friedman KJ, LeBoit PE, Farmer ER. Acute follicular graft-vs-host reaction. A distinct clinicopathologic presentation. Arch Dermatol 1988; 124:688
  8. Peñas PF, Jones-Caballero M, Aragüés M, et al. Sclerodermatous graft-vs-host disease: clinical and pathological study of 17 patients. Arch Dermatol 2002; 138:924.
  9. Vasconcelos L, Vieira EC, Minicucci EM, Salvio AG, Souza MP, Marques MEA, Marques SA. Doença do enxerto contra o hospedeiro crônica: apresentação clínica com inúmeras lesões de padrão liquenoide e de caráter atrófico. An Bras Dermatol. 2013;88(5):804-7
  10. Marks C, Stadler M, Häusermann P, et al. German-Austrian-Swiss Consensus Conference on clinical practice in chronic graft-versus-host disease (GVHD): guidance for supportive therapy of chronic cutaneous and musculoskeletal GVHD. Br J Dermatol 2011; 165:18.

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