Novos biomarcadores na insuficiência cardíaca: um futuro promissor

Considerada a via final comum de toda cardiopatia, a insuficiência cardíaca é uma importante causa de morte e possui uma alarmante taxa de mortalidade.

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A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome complexa, sistêmica, definida como disfunção cardíaca que resulta em um fornecimento sanguíneo inapropriado para atender a demanda metabólica tecidual ou fazê-la às custas de elevadas pressões de enchimento.

Considerada a via final comum de toda cardiopatia, a IC é uma importante causa de morte e possui uma alarmante taxa de mortalidade: aproximadamente 50% em cinco anos, o que pode superar muitos tipos de câncer (por exemplo, provoca entre duas a três vezes mais mortes que cânceres avançados, como intestino e mama). No Brasil, a IC representa a maior causa de internação hospitalar por doença cardiovascular e, quando analisadas todas as causas de óbito, representa uma taxa de mortalidade de 6,3%.

Pessoas com IC enfrentam repetidas internações e sintomas, que acarretam em um impacto negativo em sua qualidade de vida. A IC avançada é a síndrome isolada de maior custo de tratamento no sistema de saúde dos EUA.

A IMPORTÂNCIA DOS BIOMARCADORES NA IC

Biomarcadores ou marcadores biológicos são entidades que utilizamos na clínica que podem ser mensuradas experimentalmente e nos indicam a existência de uma determinada função normal ou patológica de um organismo. São ferramentas utilizadas para identificar indivíduos de alto risco, nos habilitar a diagnosticar com maior rapidez, auxiliar no tratamento e prognóstico da enfermidade. O biomarcador ideal da IC deve aumentar a acuidade na estratificação do risco, fornecer subsídios a respeito da fisiopatologia em cada doente e, finalmente, nos guiar para uma terapêutica individualizada.

Biomarcadores já utilizados na prática clínica:

1) Peptídeos Natriuréticos (BNP e NT-proBNP): os peptídeos natriuréticos – peptídeo natriurético tipo B (BNP) e fração amino terminal do proBNP (NT-proBNP) – são considerados biomarcadores padrões na IC descompensada. Um valor de BNP < 100 pg/mL praticamente exclui IC em pacientes com dispneia aguda. Acima de 400 pg/mL, o diagnóstico é provável. Outras situações (síndrome isquêmica aguda, insuficiência renal, fibrilação atrial, doença pulmonar obstrutiva crônica, embolia pulmonar, idosos) podem cursar com BNP dentro da “zona cinzenta”, onde a acurácia do exame é menor. O corte de NT-proBNP para excluir o diagnóstico é 300 pg/mL e os cortes para diagnosticar a IC para as faixas etárias < 50 anos, 50-75 e > 75 anos são, respectivamente, 450, 900 e 1800 pg/mL. Os peptídeos natriuréticos sofrem influência da função renal. Em pacientes com clearance < 60 mL/min, esses cortes devem ser mais altos. De modo inverso, pacientes obesos (índice de massa corporal > 35) devem ter cortes mais baixos. Os valores de corte para excluir IC no contexto ambulatorial são 35 pg/mL para BNP e 125 pg/mL para NT-proBNP. A dosagem seriada de BNP ou NT-proBNP vem sendo utilizada como estratégia para guiar o tratamento ambulatorial de pacientes com IC crônica.

2) Troponinas: são proteínas que participam do processo de contração dos músculos cardíaco e esquelético. A troponina cardíaca é composta por três subunidades: cTnI, cTnC e cTnT; a cTnl, sendo específica para a injúria miocárdica. Devem ser solicitadas para excluir infarto agudo do miocárdio (IAM) como causa da descompensação cardíaca. Pequenas elevações, na ausência de IAM, podem ocorrer, indicando mau prognóstico. A troponina adiciona valor ao BNP.

3) Proteína C reativa: a proteína C reativa (PCR) é um biomarcador de inflamação aguda e crônica de fácil dosagem, cujo valor prognóstico já foi amplamente demonstrado na IC. A PCR elevada também prediz riscos de eventos cardiovasculares em pacientes com IC.

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Novos biomarcadores:

1) Galectina-3: uma proteína produzida por macrófagos ativados, é um membro da família das lectinas e promove a proliferação dos fibroblastos cardíacos e síntese de colágeno. Há um conjunto de evidências relacionando a ativação dos macrófagos e fibrose à patogênese da IC. A galectina-3 está significantemente aumentada nos corações hipertrofiados dos indivíduos com estenose aórtica e naqueles com IC aguda e crônica. Estudos têm associado galectina-3 à hipertrofia miocárdica, relacionando seu efeito estimulador sobre a migração celular, proliferação de fibroblastos e desenvolvimento de fibrose. A combinação de galectina-3 e NTproBNP nos fornecerá mais informação prognóstica para morte a curto prazo.

O estudo DEAL-HF concluiu que a galectina-3 é um grande preditor de risco de mortalidade quando ajustado para sexo, idade, severidade da IC e disfunção renal, sendo, portanto, um marcador prognóstico. Seu valor preditivo parece ser mais forte em pacientes com ICFEP do que naqueles com IC e FE reduzida. Há especulações que o bloqueio da galectina-3 pode atrasar a progressão da IC e, possivelmente, reduzir a morbilidade e mortalidade cardiovascular.

2) ST2: é um membro da família dos receptores de interleucina-1, também conhecido como receptor de interleucina 1 (IL1RL-1). ST2 significa “a supressão de tumorigenicidade 2”. Concentrações do ST2 solúvel refletem fibrose e estresse cardiovascular. Estudos recentes demonstram que o ST2 solúvel é um forte preditor de desfechos cardiovasculares em pacientes com IC crônica e aguda. Trata-se de um novo biomarcador que preenche critérios necessários para uso na prática clínica. Ele acrescenta informação aos peptídeos natriuréticos (PNs) e em alguns estudos tem sido até superior a estes em relação à estratificação de risco. Desde a introdução dos PNs, este parece ser o biomarcador mais promissor na área.

3) Osteoprotegerina (OPG): é uma glicoproteína membro da superfamília dos receptores do fator de necrose tumoral. A OPG, além de ter um papel regulador na inflamação, aparece como um indicador mensurável da atividade do eixo RANKL/RANK. Esta via está envolvida na patogênese da IC, mediando interações autócrinas, parácrinas e endócrinas entre as células que expressam RANKL e oscardiomiócitos que expressam RANK. Níveis elevados de OPG foram associados à existência de placa aórtica, bem como a uma prevalência elevada e maior gravidade de doença arterial coronária, doença cerebrovascular e doença vascular periférica. Há um aumento dos níveis séricos elevados de OPG em humanos com IC isquêmica e não isquêmica e correlacionam-se positivamente com a progressão da IC, incluindo o aumento na classe funcional da NYHA, nível de NTproBNP e menor índice cardíaco.

4) Leptina: é um peptídeo predominantemente secretado pelos adipócitos e em menor extensão por outros tecidos, incluindo cardiomiócitos, e tem um papel fundamental na regulação do peso por induzir a saciedade e aumentar o gasto de energia. Apesar da leptina induzir a saciedade e levar a perda de peso, há um aumento paradoxal nos níveis de leptina nos indivíduos obesos graças à resistência à leptina nos tecidos periféricos.

A secreção da leptina é regulada pela insulina, citoquinas inflamatórias, catecolaminas e glicocorticoides. Estão presentes níveis elevados de leptina em doentes com IC e que se relacionam com níveis elevados de insulina, catecolaminas, FNT-alfa e outras citoquinas inflamatórias. Níveis elevados de leptina podem contribuir para a perda de peso inexplicável e redução da massa gorda que se observa comumente na IC avançada, e também contribuem para a ativação do sistema nervoso simpático verificado na IC. Apesar desses dados, o valor da leptina como biomarcador ainda não está estabelecido.

5) GDF15: o fator de diferenciação de crescimento-15 ou GDF-15, uma citocina de resposta ao estresse relacionada ao fator transformador de crescimento beta (TGF-ß), está elevado e independentemente relacionado ao prognóstico adverso na IC sistólica. O GDF-15 é um novo e promissor biomarcador na ICFEN, pois está elevado em indivíduos com disfunção diastólica do VE leve ou moderada a grave, independente da presença de DAC ou outros fatores de risco. Considerando o fato de que o GDF-15 parece ter funções cardioprotetoras, a hipótese mais aceita é que níveis mais altos de GDF-15 possam refletir uma resposta adaptadora, que nesse caso é superada pela gravidade da doença subjacente. Um biomarcador para ajudar no diagnóstico e previsão de risco na ICFEN pode melhorar a capacidade de identificação mais precoce dos pacientes com maior risco para complicações relacionadas à IC. Uma caracterização mais específica dos pacientes com ICFEN pode promover um verdadeiro ganho nas estratégias terapêuticas e preventivas.

6) MicroRNAs (miRNAs): são um grupo recém-descoberto de pequenos RNAs, não codificantes, que representam uma das áreas mais promissoras da ciência médica moderna, pois modulam uma enorme e complexa rede regulatória da expressão dos genes. Linhas de pesquisas sugerem que os miRNAs desempenham um papel fundamental na patogênese da IC. Alguns miRNAs altamente expressos no coração, como o miR-1, miR-133 e miR-208, estão fortemente associados ao desenvolvimento da hipertrofia cardíaca, enquanto o exato papel de miR-21 no sistema cardiovascular ainda não está claro. Níveis séricos de miRNAs circulantes, como o miR-423-5p, estão sendo estudados como potenciais biomarcadores no diagnóstico e prognóstico da IC. A manipulação dos níveis de miRNAs usando técnicas, como os mimetizadores de miRNAs (miRmimics) e miRNAs antagônicos (antagomiRs), está tornando cada vez mais evidente seu enorme potencial nas estratégias terapêuticas futuras.

CONCLUSÃO

Novos biomarcadores estão em estudos e, embora ainda não estejam disponíveis para nossa utilização no dia a dia, nos fazem vislumbrar uma melhora significativa no diagnóstico, na abordagem clínica, no tratamento e prognóstico dos pacientes com IC.

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