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A nutrição no paciente grave ainda é um tema controverso e alvo de muitos estudos. O mais recente deles, publicado no The Lancet, comparou a eficácia da nutrição enteral e parenteral precoce em pacientes com choque séptico e em ventilação mecânica.
O estudo foi realizado em 44 hospitais da França, com 2.410 adultos (> 18 anos) com choque séptico submetidos à ventilação mecânica. Os participantes foram randomizados para receber nutrição enteral (n = 1.202) ou parenteral (n = 1.208), ambas visando metas normocalóricas (20-25 kcal/kg por dia) dentro de 24 h após a intubação.
No 28º dia, 37% dos pacientes no grupo enteral e 35% dos pacientes no grupo parenteral morreram (p = 0,33). A incidência acumulada de pacientes com infecção adquirida na UTI não diferiu entre os grupos (14% vs. 16%; p = 0,25). Em comparação com o grupo parenteral, o enteral apresentou maior incidência cumulativa de pacientes com vômitos (34% vs. 20%; p <0,0001), diarreia (36% vs. 33%; p = 0,009), isquemia intestinal (2% vs. <1%; p = 0,007) e pseudo-obstrução aguda do cólon (1% vs. <1%; p = 0,04).
Pelos achados, os pesquisadores concluíram que a nutrição enteral precoce não reduziu a mortalidade ou o risco de infecções secundárias, mas foi associada a um maior risco de complicações digestivas, em comparação com a parenteral.
Veja também: ’10 pontos a serem considerados na prescrição médica do paciente grave’
Referências:
- Reignier J et al. Enteral versus parenteral early nutrition in ventilated adults with shock: A randomised, controlled, multicentre, open-label, parallel-group study (NUTRIREA-2). Lancet 2017 Nov 8 || http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32146-3
O estudo NUTRIREA-2 teve como objetivo responder se a via de nutrição, seja ela parenteral ou enteral, administradas precocemente, teriam diferença no desfecho dos pacientes graves. O grande X da questão deste estudo, a meu ver, está na randomização dos pacientes.
Três aspectos me chamaram a atenção para esse estudo. Primeiro: Nota-se que a alimentação – NE ou NPT foi iniciada plenamente para pacientes em SOFA médio de 11, ou seja, em média, graves (50% desta população apresentava valores maiores que esse); em segundo lugar, o IMC médio dos pacientes era em torno de 27-28 não se tratando – a grosso modo – de uma população não de não desnutridos; e em terceiro lugar, o tempo de uso das NPT foi definitivamente muito pequeno para observar eficácia desta intervenção.
Assim, como tantos outros estudos de terapia nutricional, pareceu-me mais uma investigação desenhada em cima de cenários que não são praticados na vida real. Em geral, aceitamos que pacientes mais graves sejam conduzidos nos primeiros dias com ofertas calóricas ainda mais baixas, e se a ressuscitação hemodinâmica estiver completa, mesmo que sejam os pacientes com IMC de maior risco (extremos de IMC) Além disso, o uso da NPT como forma de atingir o VET, se não empregado segundo a definição estrita de Nutrição Parenteral Suplementar não tem demonstrado eficácia clínica nítida nos estudos. Alguns pacientes chegaram a receber menos de 3 dias de NPT (!) – período considerado por muitos especialistas curto para aproveitamento desta modalidade.
O que eu pude concluir do NUTRIREA-2, até uma releitura mais adiante, é que o atendimento da meta calórica através de via enteral precocemente instituída em pacientes de elevada gravidade clínica, se comparado a uma utilização não usual de NPT, além de não mostrar diferença nos desfechos de mortalidade e infecção, associou-se a maior incidência de complicações de tubo digestivo.
Abraços.
Haroldo Falcão
Colunista PebMed
Especialista em Medicina Intensiva (AMIB)
Especialista em Nutrologia (ABRAN)
Especialista em Terapia Nutricional Parenteral e Enteral (BRASPEN)
Presidente da Regional RJ da BRASPEN