O que devemos avaliar nos diferentes métodos de imagem no AVEi agudo?

Artigo do BMJ foca nos principais pontos a serem avaliados em diferentes métodos de imagem no contexto do AVEi agudo e AVE hemorrágico.

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Um artigo publicado no BMJ foca nos principais pontos a serem avaliados em diferentes métodos de imagem no contexto do acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi) agudo, apesar de também comentar sobre AVE hemorrágico também.

Ele aborda a crescente necessidade de avaliação de oclusões vasculares de grande calibre na emergência, tendo em vista os cada vez mais numerosos casos de sucesso em terapias trombolíticas mecânicas; para tanto, três tipos principais de métodos de imagem são identificados: tomografia computadorizada (TC) sem contraste, angiotomografia e a ressonância magnética nuclear (RMN), notavelmente sequências de difusão (DWI).

A RMN, apesar de método muito sensível para detecção de isquemias agudas é mais oneroso e menos disponível nos serviços de emergência; a aquisição de imagem é mais lenta que a TC (porém com avanço tecnológico este tempo vem diminuindo), e sendo assim é o método menos utilizado no geral.

A TC sem contraste é o exame mais simples, barato, rápido e disponível, capaz de identificar claramente hemorragias. A detecção de lesões isquêmicas é menos evidente, mas pode ser inferida pela perda de diferenciação entre substância branca e cinzenta ou aparente hiperdensidade arterial (principalmente nas cerebrais médias). Existem vários escores para avaliação da gravidade e extensão da isquemia, como o ASPECTS, baseados neste método.

Nos serviços onde há disponibilidade de terapias de resgate endovasculares de emergência, a angiotomografia vem se tornando o exame de escolha, sendo feita entre o arco aórtico e o vértice, identificando imediatamente grandes oclusões vasculares. Uma situação que pode ocorrer na angiotomografia é a pseudo-oclusão, geralmente quando no momento da aquisição de imagem o fluxo o contraste não foi suficiente para preencher todo o vaso, gerando uma aparente interrupção luminal; este fenômeno é mais comum quando há oclusão de carótida interna, em seu trajeto cervical, simultânea a obstrução vascular intracraniana.

Nestes casos, o risco de AVEi de grandes proporções é maior, e há benefício na abordagem endovascular primária. Pseudo-dissecção também pode ocorrer nestas situações de baixo fluxo carotídeo, pois nestes casos o sangue se deposita nas porções dependentes dos vasos; no entanto, o hematoma intramural e expansão volumétrica do vaso, que ocorrem na dissecção verdadeira, estão ausentes.

O artigo propõe alguns pontos práticos quando há suspeita de lesão oclusiva simultânea intracraniana e carotídea cervical:

1) disponibilidade de imagens carotídeas prévias;
2) presença de ateromas calcificados na origem da carótida interna sugerindo estenose prévia;
3) interrupção abrupta do contraste no vaso (oclusão) X redução gradual (pseudo-oclusão);
4) presença de hiperdensidade no final da carótida interna ou segmento M1 da cerebral média (êmbolo)
5) se há patência do terminal da carótida interna, segmento M1 (ACM) e A1 (ACA), sugerindo hipoperfusão em vez de embolia. Em casos de dúvida, a arteriografia por cateter permanece o padrão-ouro.

O uso de uma TC pós-contraste de aquisição tardia também pode dirimir dúvidas sobre a patência de vasos e delimitar melhor a localização de um êmbolo; deve-se atentar para o fato que num exame tardio, o enchimento carotídeo pode ocorrer através de colaterais, como as artérias oftálmicas, que ficam mais evidentes. Estas aquisições nunca devem atrasar o diagnóstico e a decisão terapêutica no contexto do AVE agudo, e em caso de necessidade de confirmação a angiografia é o método definitivo e permite a abordagem endovascular direta.

A presença de ateromatose intracraniana difusa, muitas vezes evidenciada por placas calcificadas em vários pontos do encéfalo, pode ser um problema; nestes casos às vezes a estenose ateromatosa só aparece após a abordagem endovascular, e pode ser necessária inserção de stent após a liberação do fluxo no vaso. Alguns achados são muito típicos de lesão ateromatosa, como oclusão da porção média da basilar (que em oclusões embólicas em geral está acometida na bifurcação).

A definição da localização da lesão isquêmica aguda é de suma importância e depende da avaliação correta da imagem, junto a apresentação clínica; um paciente com fatores de mau prognóstico para trombólise pode mesmo assim ter indicação de abordagem ativa devido a áreas nobres/eloquentes do sistema nervoso central estarem em risco. O prognóstico da lesão sempre deve ser levado em conta na decisão terapêutica.

Infartos lacunares muitas vezes são melhor avaliados pela RMN que TC, por ser este primeiro um método mais sensível, principalmente no que diz respeito a lesões no tronco encefálico.

Em pacientes com doença microvascular crônica difusa a RMN também se mostra superior, tendo em vista que na TC lesões agudas podem ser confundidas com focos de gliose antigos nestes pacientes.

Nos casos de trombose basilar, o tempo limite para intervenção trombolítica mecânica ou química não é bem estabelecido e deve ser visto caso a caso. A RMN, notavelmente sequências de difusão, são úteis para avaliar a viabilidade do tecido e possível benefício de intervenção nestes casos. Em geral, quando há dúvida sobre a presença ou ausência de lesão isquêmica verdadeira no tecido encefálico, a RMN em suas sequências de difusão são o padrão definitivo para diagnóstico.

Métodos de imagem avançados, como TC de perfusão e angiotomografia multiface, podem ser usados, conforme inúmeros protocolos e estudos demonstram, para tentar estimar o benefício de possível trombólise no contexto do AVEi agudo. No entanto, há maior exposição à radiação, e de fato a maioria dos estudos sobre intervenção com resultados positivos mais recentes não utilizaram tais métodos.

O conhecimento de características relativas as variações anatômicas mais comuns das artérias cervicais e intracranianas é essencial para evitar equívocos no contexto do AVEi; duas regras em geral resolvem a maioria das dúvidas:

1) vasos hipoplásicos tendem a ser lisos X vasos irregulares doentes;
2) o tamanho da artéria corresponde ao tamanho da massa encefálica por ela irrigada.

As variações da artéria cerebral média (ACM) tem especial importância, principalmente as bifurcações precoces (em M1 ou M2), mais comuns, devido as terminologias de localização.

Em relação a situações que imitam AVEi agudo, devemos prestar especial atenção a trombose venosa (principalmente em achados venosos na angiotomografia) e eventos epilépticos, que podem gerar alterações na perfusão focal e confundir-se com lesão isquêmica.

Comentários

O artigo é bem abrangente, e dá informações valiosas sobre a avaliação rápida da imagem do paciente numa suspeita de acidente vascular encefálico isquêmico agudo. Apesar de voltado principalmente para neurologistas, seu conteúdo é interessante para todos que trabalham no contexto de emergência e até mesmo unidades de terapia intensiva, pois muitas vezes não há neurologista presente no momento do evento agudo, e o médico plantonista será o responsável por tomar as primeiras medidas diagnósticas e terapêuticas.

No contexto brasileiro, o AVE ainda é a primeira causa de morte, e em muitos casos o prognóstico e sobrevida do paciente dependem diretamente da conduta adotada no evento agudo. O conhecimento da anatomia encefálica e vascular, domínio do exame físico neurológico, presteza e objetividade na coleta de informações e capacidade de avaliar adequadamente a imagem adquirida, seja ela TC, RMN ou angioTC, são as chaves para o melhor atendimento ao paciente com evento cerebrovascular agudo e melhor prognóstico a curto, médio e longo prazos.

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