O que mudou nos jovens médicos?

Recentemente li um editorial que saiu no New England Journal Of Medicine (NEJM) intitulado “Getting the Right Medical Students — Nature versus Nurture”.  Não por mera coincidência esta excelente publicação chegou até mim via um email de um professor que debate artigos todas as semanas na universidade federal que estudei. Já não frequento a universidade …

Recentemente li um editorial que saiu no New England Journal Of Medicine (NEJM) intitulado Getting the Right Medical Students — Nature versus Nurture” Não por mera coincidência esta excelente publicação chegou até mim via um email de um professor que debate artigos todas as semanas na universidade federal que estudei. Já não frequento a universidade como aluno há alguns anos, entretanto, sigo acompanhando tal grupo de discussão, via email, como forma de me manter atualizado. Porém, o que me chamou atenção quando recebi tal artigo, além do título forte, foi o fato deste professor querer colocar em debate tais aspectos justamente com alunos. E curiosamente já havia me perguntado poucos dias antes, quando trabalhava com internos em um hospital, o que mudou nos jovens médicos? 

No artigo, o Dr.  Richard Schwartzstein diz:  “I hear from public officials that doctors demonstrate little empathy and don’t communicate well with patients.”. Este cenário não parece tão distante da nossa realidade. Facilmente encontramos alunos desinteressados em pacientes e interessados em apostilas. Há tempos ouvimos de professores queixas como: “Os internos ficam nos cursos preparatórios de residência, e fogem do internato. Estão cada vez piores na prática.”. Sabemos que a medicina é uma ciência que mistura evidência com interpretação e capacidade associação entre possibilidades, com um toque profundo de vivência situacional. O equilíbrio entre todos esses pilares compõe as qualidades de um médico. No fim, a matemática é simples: Mais conhecimento teórico e direcionado para provas, menos conhecimento de prática e vivência com situações distintas. Pior relação entre médico e seu paciente.

Porém, seriam estes aspectos culpa somente dos alunos? Desde quando cursava a faculdade de medicina ouvia colegas, veteranos e calouros, queixarem-se do método de ensino em algumas matérias. “Typically, students enter medical school idealistic, eager to improve the human condition, and excited about becoming doctors. And then we do various things to change them.”, reflete o autor do editorial da NEJM. Isto é facilmente traduzido para a nossa realidade. Logo que entram alunos são colocados a assistir aulas expositivas, chatas, pouco interessantes, com uma lista enorme de coisas para decorar. Não que não seja necessário, porém estamos ensinando da melhor maneira? A maneira mais correta para despertar o médico tecnicamente hábil, com o conhecimento necessário e capacidade de comunicação ótima com o paciente?

A Dra. Candince Holderbaum, UFRGS, apontou que taxa de aprendizado quando uma aula é apenas expositiva é a pior de todos, em torno de 5%. Para efeito comparativo, estudo através de leitura conduz a uma taxa de 10% e demonstrações 30%. Em contrapartida discussões em grupo e aplicação pratica do aprendizado reproduzem uma taxa de aprendizado de 50% e 75% respectivamente. A aplicação de técnicas mais demonstrativas e práticas parecem um caminho mais interessante para um maior aprendizado. Medicina é uma ciência de pessoas, por que não aproveitamos para debater e praticar ao invés de assistirmos a slides pouco cansativos e desinteressantes?

Ainda no artigo da NEJM, levanta-se a questão do processo de seleção para entrar na faculdade de medicina e isso também reflete um pouco da realidade nacional. É comum encontrarmos alunos que entraram no curso de medicina, não por que sentiam aptidão pelas ciências biológicas e do comportamento humano, porém por conveniência, expectativa financeira e pressão familiar. Um aluno que cursa algo desinteressante para ele, muito provavelmente se tornara um profissional desinteressado.

Algumas sugestões são propostas para melhorar aspectos de compaixão e comunicação dos alunos de medicina na prática:

  • Implementar mudanças curriculares que apoiem o idealismo dos estudantes, compaixão com o paciente, e interação entre alunos enfermos desde o início da faculdade;
  • Orientar alunos com maior predisposição a habilidades de comunicação e apoio ao paciente as especialidades clínicas;
  • Não permitir que alunos que não se dediquem a prática e a comunicação com o paciente avancem na faculdade;
  • Desenvolvimento de  uma lógica onde médicos possam gastar mais tempo com o paciente no atendimento.

Em uma sociedade onde cada vez mais médicos são colocados contra parede, processos aumentam, a mídia ataca a categoria, é fundamental o fortalecimento da relação de confiança entre médicos e pacientes. Ouvi diversos colegas e professores dizerem que a faculdade é o momento onde se desenvolve o arcabouço do médico que você será. Interessado ou desinteressado, dedicado ou não dedicado, estudioso ou não estudioso, atencioso ou não atencioso. Os jovens estão cada vez mais mutáveis e influenciados pelas grandes novidades que surgem a cada dia através de seus computadores, tablets e smartphones.

O que mudou nos jovens médicos? O mesmo que mudou na medicina. Cada desenvolvimento tecnológico auxiliou em velocidade e precisão diagnóstica, porém também a uma rotina acelerada, e cada sistema de saúde afastou de alguma maneira o médico do toque, da sensibilidade e da compaixão, em uma lógica onde custo e qualidade quase sempre não andam juntos. E já que os jovens podem mudar tanto, por que não transformá-los em algo melhor?

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Getting the Right Medical Students — Nature versus Nurture – New England Journal Of Medicine

Richard M. Schwartzstein, M.D.

 

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