Paciente hemodinamicamente instável: cabe mais volume?

É recorrente o questionamento sobre se vale a pena fazer uma expansão volêmica no doente grave, especialmente no paciente séptico.

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É recorrente o questionamento sobre se vale a pena fazer uma expansão volêmica no doente grave, especialmente no paciente séptico. A antiga definição de choque séptico como hipotensão apesar de expansão volêmica adequada ajudou muito nesse sentido – sempre questiona-se se a pré-carga está adequada ou não. Entre dados como frequência cardíaca e pressão arterial até a pressão de oclusão da artéria pulmonar pelo Swan-Ganz, há várias medidas que podem nos ajudar nessa definição.

Na beira do leito da UTI podemos lançar mão de vários dados para essa finalidade. O somatório dos dados (clínicos, laboratoriais, hemodinâmicos e evolução) pode nos dar uma direção entre um pouco mais de volume ou já iniciar drogas vaso-ativas/inotrópicas. Ressalte-se que vários trabalhos têm apontado os malefícios do balanço hídrico muito positivo por si só, além de efeitos colaterais de cristaloides, especialmente da acidose metabólica hiperclorêmica da solução fisiológica.

Antes dos parâmetros, devemos lembrar da curva de Frank-Starling. Basicamente esse princípio diz que a pré-carga (volume intravascular) e o débito cardíaco tem correlação positiva: quanto maior o volume, maior o débito. Mas observe na figura 1 abaixo que infundido o mesmo volume (de C para D) o incremento no débito cardíaco foi bem maior em A do que em B (setas). E chega o momento que incrementos de volume podem até prejudicar o funcionamento da bomba cardíaca por sobre-distensão das fibras, e a inflamação sistêmica também pode levar a disfunção miocárdica. Assim, a avaliação dos parâmetros sobre fluido-responsividade deve ser criteriosa (a maioria dos estudos define resposta a volume o aumento do débito cardíaco em 10 a 15% do basal após 500ml de cristaloide).

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cristaloide
Adaptado de Guerin et al, 2013. Monitoring volume and fluid responsiveness: From static to dynamic indicators.


Passive leg raising

Manobra de fácil execução, mas frequentemente esquecida. A ideia é fazer uma expansão com o volume que já existe no paciente, mas está “sequestrado” nas veias dos membros inferiores. Consiste em elevação passiva de membros inferiores a 45o por um minuto. Em pacientes responsivos a volume, é esperado aumento do débito cardíaco – como nem sempre medidas calibradas estão disponíveis, o aumento da PA e/ou melhora da frequência cardíaca após o teste podem ser empregadas na prática.

Variação da pressão de pulso (delta PP)

Válido para paciente em ventilação mecânica a VCV, com bloqueio muscular e com linha arterial. Avalia-se a pressão sistólica máxima em dois momentos distintos de um ciclo respiratório (um na inspiração e outro na expiração). Se há variação maior que 13% o paciente responderá a volume, com acurácia em torno de 90%.

USG de veia cava inferior

O USG está entrando para ficar na medicina a beira do leito por sua praticidade e aplicação em tempo real. Tal qual a turgência jugular nos diz que há uma condição de hipervolemia, a avaliação da veia cava inferior (VCi) pode nos ajudar na definição de fluido-responsividade.

Esse parâmetro avalia a diferença no diâmetro (no modo M) da veia cava inferior durante a ins- e a expiração, na janela subcostal/subxifóidea. Sua aplicação também está definida para pacientes sob ventilação mecânica bem adaptados. Um índice de distensibilidade [(VCimx – VCimn) / VCimn] > 18% ou um “delta cava” [(VCimx – VCimn) / (média de VCimx e VCimn)] > 12% discrimina os indivíduos que responderão a volume, com acurácia em torno de 90%.

Para pacientes fora de ventilação mecânica, não é um parâmetro bem estabelecido. Vale lembrar que os achados de imagem são opostos no ciclo respiratório: sob VM o maior diâmetro da cava é na inspiração (pressão positiva gerada pelo ventilador), já na respiração espontânea na inspiração há tendência ao colapsamento da VCi (pressão intratorácica negativa “puxando” o volume). O ponto de corte para o índice de “colapsabilidade” (collapsibility index, calculado por [(VCimx – Vcimn) / VCimx] é de 50%, devendo ser realizado com respirações profundas/forçadas.

Gap CO2

O gap CO2 é calculado pela diferença entre o CO2 medido simultaneamente em amostra arterial e venosa central. Para colher o sangue no cateter venoso central deve-se lembrar dos cuidados de antissepsia, de desprezar uma porção inicial (que poderia estar “misturada” com as soluções infundidas no cateter, geralmente 2 ml) e de lavar o cateter após a coleta (evitar obstrução da linha venosa central).

Considerando que o CO2 é um gás de alta capacidade de difusão nos capilares pulmonares, essa medida reflete a produção periférica de CO2 e, logo, a estagnação desse gás na periferia – inferindo má perfusão. O gap CO2 tem boa correlação com o débito cardíaco e valores maiores que 6 de gap CO2 são encontrados em indivíduos mal perfundidos e que podem se beneficiar de volume. A maioria dos trabalhos avalia esse dado dentro do primeiro dia da ressuscitação volêmica.

Pressão venosa central

A medida da PVC por muito tempo ocupou função de destaque guiando a ressuscitação hemodinâmica, mas recentemente várias outras medidas têm mostrado melhor correlação com o débito cardíaco. Altos valores de PVC podem ser encontrados em indivíduos “secos” e valores normais em pessoas hipervolêmicas. É uma medida que tem relação com o máximo diâmetro da VCi, mas lembre-se que no parâmetro ultrassonográfico da VCi utilizamos duas medidas que sofrem influência da dinâmica respiratória.

Entretanto, altas PVCs devem ser evitadas e um “delta PVC” (medir a PVC antes e após prova volêmica) maior que 5 indica que não há resposta a volume.

Há várias outras ferramentas, mais complexas, que avaliam a hemodinâmica de pacientes graves, com destaque para as que avaliam a curva de pulso, pelas inferências de Fick, como o LiDCO, o Vigileo e o PiCCO.

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Referências:

  • Guerin L, Monnet X, Teboul J. Monitoring volume and fluid responsiveness: from static to dynamic indicators. Best Practice & Research Clinical Anaesthesiology, 2013.
  • Mallat J, et al. Use of venous-to-arterial carbon dioxide tension difference to guide resuscitation therapy in septic shock. World J Crit Care Med, 2016.
  • Rocha PN, Menezes JAV, Suassuna JHR. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo. J Bras Nefrol, 2010.
  • Feissel M, et al. The respiratory variation in inferior vena cava diameter as a guide to fluid therapy. Intensive Care Med, 2004.
  • Kalantari K, et al. Assessment of intravascular volume status and volume responsiveness in critically ill patients. Kidney International, 2013.

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