Takotsubo: Cardiomiopatia induzida por estresse

Muito se comenta hoje sobre a influência do estresse em nossas vidas, o próprio mostra-se cada vez mais determinante no processo de adoecimento, motivando procura crescente do serviço de saúde para seu próprio alívio e alívio de suas consequências. O estresse, sabidamente, apresenta importante influência em diversos sistemas orgânicos, destacando-se o sistema imunológico, cardiovascular e …

Muito se comenta hoje sobre a influência do estresse em nossas vidas, o próprio mostra-se cada vez mais determinante no processo de adoecimento, motivando procura crescente do serviço de saúde para seu próprio alívio e alívio de suas consequências. O estresse, sabidamente, apresenta importante influência em diversos sistemas orgânicos, destacando-se o sistema imunológico, cardiovascular e nervoso.

Quando se fala de estresse, portanto, pensamos imediatamente em sua relação com doenças ditas inorgânicas como a depressão e demais transtornos do humor, ou de seus efeitos cardiovasculares de aumento da pressão e do risco de eventos coronarianos. No entanto, uma doença vem intrigando médicos e pesquisadores desde sua primeira descrição há 24 anos no Japão, a síndrome de takotsubo (assim inicialmente chamada, o nome que a tornou famosa).

Esta doença, que aos poucos vai se revelando para a medicina, intriga pela peculiaridade fisiopatológica e, especialmente, por sua relação com o estresse adrenérgico (sim, agora utilizamos a palavra estresse em seu sentido mais fisiológico, porém não dissociado de seu sentido mais amplo e coloquial). Mas o que é a síndrome de takotsubo? A cardiomiopatia induzida por estresse? A síndrome do balonamento apical transitório? A síndrome do coração partido? Afinal, uma doença com tantos nomes deve ser muito importante!

Pois bem, para esclarecer o que é a doença, e para entendermos suas diversas nomenclaturas, vamos retroceder à imagem que intrigou os nipônicos em 1990:

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Fonte: https://www.fac.org.ar/1/revista/10v39n2/casclin/caclin02/chavez_caballero.php
 

Não é preciso ser experiente em ecocardiografia para notar a acinesia de ponta exibida no exame acima. E, de fato, acinesia não é alteração incomum de se observar em síndromes coronarianas agudas. Porém, note também que a acinesia de ponta envolve tanto a parede livre do ventrículo esquerdo quanto o septo, o que torna menos provável a hipótese de síndrome coronariana aguda, e observe ainda que há uma hipercontratilidade compensatória dos segmentos basais.

O que mais intrigou os japoneses é que pacientes com ecocardiogramas como este caracteristicamente apresentavam história e evolução clínica semelhantes: se tratavam de mulheres pós-menopausa com queixa de dor torácica de início recente e submetidas a estresse físico ou emocional intenso, com coronariografias normais, cuja evolução em dias a semanas foi de total reversão clínica e ecocardiográfica da disfunção.

Muito bem… Já entendemos porque chamar a patologia de cardiomiopatia induzida por estresse (já que o mecanismo desencadeador é puramente um estresse súbito); e também porque chamar de síndrome do balonamento apical transitório (o que não é difícil de perceber pela imagem); mas porque chamá-la de takotsubo? Por acaso, takotsubo significa estresse em japonês?!

Bom, na verdade, takotsubo não tem relação nenhuma com estresse, a palavra japonesa significa “armadilha para polvo” (calma!). O ocorrido é que a imaginação de médicos e pesquisadores foi tamanha, que compararam a forma do ventrículo esquerdo ao exame de imagem (ventriculografia ou ecocardiografia) a uma cesta utilizada para caçar polvos. Pois é, eles estavam provavelmente com fome quando descreveram a doença, e sabemos que japoneses com fome pensam logo em frutos do mar, e não necessariamente bem cozidos!

 

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Fonte: https://www.radiologyassistant.nl
 

Desde então, foram descritas diversas hipóteses para explicar essa disfunção sistólica transitória do ventrículo esquerdo de característica segmentar um tanto quanto peculiar. Hoje, a patogênese mais aceita envolve: excesso de catecolaminas, espasmo coronariano e disfunção microvascular (toda vez que você não souber o que causa uma doença mal explicada em cardiologia chute disfunção microvascular, ninguém poderá te dizer o contrário, afinal – fica a dica!).

O esquema abaixo, extraído de um artigo da Circulation, explica a patogênese neuroendócrina da doença, a partir dos deflagradores físicos e emocionais. A imagem extraída de artigo da Nature, por sua vez, busca explicar o aparente efeito diferencial da ativação adrenérgica nas porções basais e apical do ventrículo esquerdo, fator determinante da discinesia observada.

 

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Resumidamente, acredita-se que a hiperativação adrenérgica induzida pelo estresse, seja ele emocional ou físico, apresenta efeito diferencial nos segmentos basais e apical do ventrículo esquerdo, devido a uma diferença na concentração de receptores adrenérgicos nessas regiões. O excesso de receptores ativados na porção apical (em maior quantidade que na porção basal) assumem uma hiperativação com sobrecarga de cálcio nos miócitos cardíacos, levando a perturbação da contração e disfunção, paradoxalmente determinando efeito inotrópico negativo.

A título de curiosidade, já foram descritas variantes do Takotsubo clássico, como sua forma invertida, em que as porções basais encontram-se acinéticas com a ponta hipercinética; encorajamos neste momento a leitura da extensa literatura médica a respeito do tema para maiores informações.

Por fim… você deve estar muito preocupado, se perguntando como você vai se salvar do Takotsubo, afinal, sua vida é cheia de estresse, e a própria leitura e constatação disso já despertou grande ansiedade, não é verdade!? Muita calma nesse momento… a doença é extremamente rara, Takotsubo não é para quem “quer” é para quem “pode”, e, embora ainda não se tenha identificado fatores genéticos predisponentes, já foram descritos múltiplos casos dentro de uma mesma família, o que leva a crer numa predisposição genética ao distúrbio.

Ok… Você já deve estar mais tranquilo e certo de que dificilmente terá a doença, mas ainda assim está curioso para saber o que desencadeia, afinal, não custa nada evitar não é mesmo?! A patologia já foi descrita sendo desencadeada por: perda de parentes próximos (particularmente se não esperada); abuso doméstico; discussões intensas; diagnóstico médico catastrófico recente; problemas financeiros; desastres naturais; rompimento de relacionamentos (olha aí a síndrome do coração partido e seu duplo sentido!); além do estresse físico orgânico causado por sepse, neoplasias, doenças pulmonares e doenças inflamatórias agudas. Acredite ou não, mas já foi descrito caso de Takotsubo induzido pelo susto causado por uma festa surpresa (tá zoando!!). É… Talvez esteja na hora de preparar aquela festa surpresa para a sogra!

 

Para mais informações sobre esta intrigante patologia, organizamos uma lista com os melhores artigos sobre o assunto:

1. Yoshihiro J. Akashi, MD, PhD; David S. Goldstein, MD, PhD; Giuseppe Barbaro, MD; Takashi Ueyama, MD, PhD; Takotsubo Cardiomyopathy: A New Form of Acute, Reversible Heart Failure; Circulation.2008; 118: 2754-2762.

2. Holger M. Nef, Helge Möllmann, Yoshihiro J. Akashi & Christian W. Hamm; Mechanisms of stress (Takotsubo) cardiomyopathy; Nature Reviews Cardiology 7, 187-193 (April 2010).

3. Girod JP, Messerli AW, Zidar F, Tang WHW, Brener SJ; Tako-Tsubo-like transient left ventricular dysfunction; Circulation. 2003;107:E120-E121.

4. Kurisu S, Sato H, Kawagoe T, Ishihara M, Shimatani Y, Nishioka K, et al; Tako-Tsubo-like ventricular dysfunction with ST-segment elevation: a novel cardiac syndrome mimicking acute myocardial infarction; Am Heart J. 2002; 143:448-55.

5. Kurisu S, Inoue I, Kawagoe T, Ishihara M, Shimatani Y, Nakamura S, et al; The course of eletrocardiographic changes in patients with Tako-Tsubo syndrome: comparison with myocardial infarction with minimal enzymatic release; Jpn Circ J. 2004;68:77-81.

6. Yasuga Y, Inoue M, Takeda Y, Kitazume R, Hayashi N, Nakagawa Y, et al. Tako-Tsubo-like transient left ventricular dysfunction with apical thrombus formation: a case report. J Cardiol. 2004;43:75-80.

7. SADDAM S. ABISSE, MD; ATHENA POPPAS, MD, FACC, FASE; Takotsubo Cardiomyopathy: A Clinical Review; Rhode Island Medical Journal, Feb. 2014, p23-27.

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