Trombofilia hereditária em crianças: quando e quem investigar?

A trombose pediátrica é uma área que envolve diversas especialidades clínicas e que muitas vezes não possui um campo bem definido de atuação.

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A trombose pediátrica é uma área que envolve diversas especialidades clínicas e que muitas vezes não possui um campo bem definido de atuação – hematologistas, reumatologistas, nefrologistas, cardiologistas, intensivistas e outros especialistas em algum momento lidarão com crianças com trombose.

O conhecimento sobre o assunto é escasso e as publicações sobre o tema são muito recentes, com início na década de 90, quando a incidência reportada de casos de tromboembolismo venoso (TEV) – conceito que engloba trombose venosa profunda e/ou embolia pulmonar – pelo registro canadense era de 0,07-014 casos em 10.000 crianças internadas.

Diversos registros foram realizados ao longo dos últimos anos e o mais recente, dos Estados Unidos, mostrou um aumento alarmante, atingindo 58 casos de TEV em cada 10.000 crianças hospitalizadas. O aumento do número de casos de TEV poderia ser explicado, por exemplo, pelo avanço da Medicina (detecção radiológica) e maior número de pacientes com cateteres intravenosos.

A hemostasia no paciente pediátrico está em constante desenvolvimento, sendo necessário ter esse conhecimento ao investigar e manejar as crianças com trombose. As proteínas S e antitrombina só atingem os mesmos valores de referência dos adultos aos seis meses de vida e a proteína C, por exemplo, pode continuar abaixo da normalidade definida para a população adulta até o paciente atingir a adolescência.

Mais do autor: ‘Acidente vascular encefálico na doença falciforme: quais são os fatores determinantes?’

O primeiro conhecimento que o pediatra deve ter é que a trombose em crianças está relacionada, na maioria das vezes, a algum fator de risco. O cateter está associado a trombose em 90% dos casos em recém-nascidos e, em crianças maiores, pode estar relacionado a 50% dos eventos trombóticos.

A contribuição das trombofilias genéticas (deficiências de proteína C, S e antitrombina; fator V de Leiden e mutação da protrombina) na fisiopatologia da trombose pediátrica é pequena e a maioria das crianças terá outros fatores associados, como cateteres, infecção, cardiopatias congênitas, doenças inflamatórias, doenças malignas, entre outras, que por si só justificariam a ocorrência do evento trombótico venoso.

A revisão recente publicada pelos autores van Ommen CH e Nowak-Gött U1 coloca os três principais motivos para a investigação de trombofilia hereditária nas crianças com TEV, citando os pontos a favor e contra a investigação de acordo com as evidências disponíveis. Vale ressaltar que não existem estudos consistentes sobre o assunto para afirmar ou negar as decisões a seguir e os dados são referentes a eventos venosos. A pesquisa seria ou não justificada por conta dos seguintes motivos abaixo:

1) Associação entre trombofilia hereditária e TEV em crianças

A FAVOR

CONTRA

A trombofilia hereditária poderia explicar a fisiopatologia do TEV nos casos não provocados em que não há fator de risco identificável, como observado em alguns estudos com adolescentes e crianças com história familiar de trombose

A maioria dos pacientes pediátricos que desenvolve TEV apresenta algum fator de risco identificável, provando que a trombofilia hereditária isolada não seria suficiente para ocasionar o evento trombótico

Não existem dados na literatura que comprovem a associação de trombofilia com TEV em todos pacientes pediátricos como, por exemplo, crianças com trombose relacionada a cateter

2) Manejo da trombose no paciente pediátrico

A FAVOR

CONTRA

O diagnóstico da trombofilia hereditária poderia contribuir para a prevenção de um novo episódio de TEV em situações de alto risco, colocando o paciente em profilaxia trombótica, principalmente em pacientes com diagnósico de deficiência de antitrombina

Todas as crianças com história prévia de TEV deveriam receber anticoagulação profilática quando expostas em situações de alto risco

A eficácia das estratégias de profilaxia trombótica em crianças ainda não foi comprovada

3) Identificação de familiares assintomáticos com trombofilia hereditária

A FAVOR

CONTRA

O diagnóstico prévio de trombofilia possibilitaria o paciente a procurar atendimento médico com maior urgência caso apresentasse sinais e/ou sintomas sugestivos de TEV, assim como poderia evitar fatores de risco adicionais, como obesidade e tabagismo

A orientação sobre sinais e/ou sintomas de TEV, assim como sobre a prevenção de fatores de risco adquiridos (obesidade e tabagismo) pode ser feita independente do diagnóstico laboratorial de trombofilia

Oportunidade para anticoagulação profilática em situações de alto risco, principalmente nos casos de deficiência de antitrombina

Como a maioria dos episódios de TEV é provocada, a tromboprofilaxia em situações de alto risco seria suficiente, independente do diagnóstico de trombofilia

Aconselhamento para uso de anticoncepcional oral combinado em mulheres com trombofilia

Falsa segurança caso os testes sejam negativos

A escolha do método contraceptivo alternativo pode ser feita em mulheres com história de parentes com episódio de TEV independente do diagnóstico laboratorial de trombofilia

De modo geral, o diagnóstico laboratorial pode gerar estresse emocional e pode aumentar o custo do plano ou seguro de saúde, já que a trombofilia pode ser considerada doença pré-existente

O risco de recorrência de TEV não relacionado a cateter em crianças foi estimado em 1,5% por ano de acordo com o estudo publicado por Limperger et al2. Esse risco aumentou somente até 5,4% nos pacientes com diagnóstico de deficiência de antitrombina, podendo esses pacientes serem beneficiados com a profilaxia antitrombótica em situações de alto risco. Nos outros casos, o diagnóstico de trombofilia não teve impacto significativo no acompanhamento ou manejo desses pacientes.

Apesar de existirem poucos estudos sobre o assunto, o pediatra deve refletir sobre a real necessidade de investigação de trombofilia, já que os exames são de alto custo e poucas vezes irão, de fato, alterar o manejo terapêutico desses pacientes.

De forma geral, pacientes pediátricos com eventos trombóticos não provocados (sem fatores de risco identificáveis) e com história familiar positiva para trombose em parentes de primeiro grau (infarto agudo do miocárdio e/ou AVE isquêmico em pacientes <55 anos de idade; TVP e/ou TVP; ou ≥3 perdas gestacionais espontâneas) podem ter algum benefício com a investigação. Já os pacientes com TEV relacionado a cateter, não precisariam, a rigor, serem investigados para outras causas de trombose.

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Referências:

  1. van Ommen CH, Nowak-Göttl U. Inherited Thrombophilia in Pediatric Venous Thromboembolic Disease: Why and Who to Test. Front Pediatr 2017;5:50.
  2. Limperger V, Kenet G, Goldenberg NA, Heller C, Holzhauer S, Junker R, et al. Impact of high-risk thrombophilia status on recurrence among children with a first non-central-venous-catheter-associated VTE: an observational multicentre cohort study. Br J Haematol 2016;175:133-40.
  3. Campos L, Sztajnbok F. Trombose em crianças – quem, quando e como investigar? Residencia Pediatrica 2014;4:10-3. Available from: http://residenciapediatrica.com.br/detalhes/92/trombose-em-criancas—quem–quando-e-como-investigar-

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